segunda-feira, 8 de setembro de 2014

SENTIMENTOS DE BOTOX



SENTIMENTOS DE BOTOX

Suely Pavan Zanella
Quando eu era mais jovem existia uma expressão perfeita para definir a dor da perda de alguém ou de algo, se chamava “ficar na fossa”. Ficávamos na fossa quando o amor que achávamos ser o grande amor de nossas vidas rompia conosco, ou éramos nós que por qualquer razão rompíamos com ele. Ficávamos na fossa quando perdíamos o nosso emprego injustamente. Lembro-me de uma vez em que eu e uma amiga perdemos o emprego de maneira inusitada, fomos demitidas juntas, e sem motivo aparente. Ao sairmos do banco onde trabalhávamos resolvemos afogar toda a nossa tristeza em vários copos de bebida. Depois de bêbadas pegamos um taxi e fomos para nossas casas. E por semanas e semanas choramos copiosamente no ombro uma da outra. Afundamos literalmente na fossa. E por fazer isto acabamos pouco a pouco saindo dela. Ao nosso redor, amigos e namorados buscavam nos alegrar, sem sucesso. Até ríamos, mas todos entendiam que no fundo estávamos tristes. Naquela época tristeza era um sentimento de todos. Ninguém precisava fingir que estava feliz quando não estava.
O mesmo acontecia quando perdíamos um amor. Até as músicas da época refletiam este estado: “Quando olhaste bem nos olhos meus.
E o teu olhar era de adeus, juro que não acreditei . Eu te estranhei, me debrucei. Sobre o teu corpo e duvidei. E me arrastei, e te arranhei. E me agarrei nos teus cabelos. Nos teus pelos, teu pijama. Nos teus pés, ao pé da cama. Sem carinho, sem coberta. No tapete atrás da porta...
” Cantava Elis aos prantos num show que assisti. Até os artistas tinham seus momentos de fossa e não eram práticos e perfeitos como são hoje, em que agendas não se conciliam e todos parecem sair ilesos de qualquer separação.
Não pense que estou fazendo aqui uma ode ao sofrimento, mas tenho certeza não só pessoalmente, como também profissionalmente que todo aquele que coloca botox no sofrimento ou vai à academia para melhorar a autoestima depois de uma decepção amorosas sofrerá em dobro no futuro. Sentimento é uma espécie de praga, se não for resolvido um dia volta a perseguir. Como diz sabiamente uma música cantada pelo Fagner: Sentimento ilhado, morto, amordaçado, volta a incomodar!
Este negócio de dizer “que a fila anda” é bom e prático para “casinhos”, mas não para perdas amorosas verdadeiras. Quando perdemos um amor ou algo muito importante em nossas vidas é preciso e saudável (porque somos humanos) ficar na fossa. Como ensina o brilhante pedagogo italiano Leo Buscaglia: Entre no poço, vá até o fundo, e depois suba!
Não queira nunca atropelar, banalizar ou negar um sentimento seja ele qual for. Desde as emoções mais primitivas, como medo, por exemplo, até os sentimentos mais complexos, como o amor.
Botox pode apagar rugas, mas não a dor. Não há como botoxisar sentimentos, eles ficam lá guardados e nos perseguem. Depressão tem muito de tristeza atropelada ou travestida de botox. Não viveu a tristeza, o luto, tenha certeza de que ela vai voltar em dose cavalar.
Outra coisa! Dar nomes aos bois também não resolve nada. Isto é apenas exercício de banalidade intelectual. Saber que problemas pulmonares são relacionados à tristeza ou que a artrite domina os perfeccionistas não traz benefício algo ou propicia a sua cura. Ao contrário, esta catalogação de pessoas só tem servido para instrumento de mais e mais dor não elaborada devidamente. A tal busca da ditadura da felicidade nada mais é um do que um mascaramento (botox) de sentimentos.
Entre na fossa! Como fazer isto? Chore, ouça músicas tristes e leia poesias, e de vez em quando encha a cara. Porque não?
E se a dor for profunda demais procure um psicólogo. Um bom profissional o ajudará a sentir dor e lidar com ela, ao invés de banaliza-la. É assim que se cresce!
Gente perfeita só existe nas fotos de revista, e também não é à toa que artistas-celebridades um dia veem de repente a sua casa cair. Eles ainda confundem seu papel público com o privado.