terça-feira, 15 de setembro de 2009

Segredos de Família

 
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Segredos de Família
Suely Pavan (*)
Segredos são segredos. E só se expressam através de olhares cúmplices, aqueles entendidos apenas por aqueles que sabem o segredo.
Segredos de família existem aos montes: uma morte mal explicada de um parente; um filho ilegítimo; uma adoção feita a sete chaves; uma traição no casamento; um estupro; violência familiar; um aborto. Na época em que tais fatos aconteceram cada família lidou com eles de um jeito. Mas o tempo passa, e os segredos ficam guardados nas quatro paredes da casa. Os filhos crescem, os netos aparecem, e os segredos permanecem. Como sabemos deles? Percebemos, principalmente quando somos crianças, época em que somos mais perceptivos e intuitivos, que faltam pedaços nas histórias que nos contam. São piscadas dadas pelos adultos quando perguntamos, por exemplo: Onde está a foto do vovô? E tias dão risadinhas entre si e nos contam histórias mirabolantes. Acreditamos nas histórias, mas os gestos dos adultos de alguma forma nunca enganam as crianças. Crianças guardam os gestos, e os carregam pela vida. Gestos são denunciadores. Crescemos com os gestos que vimos e esquecemos as palavras que nos contam.  
Nas histórias que faltam pedaços de nossa família, as crianças crescem e carregam também o segredo que desconhecem. Muitas vezes quando adultas repetem as mesmas histórias que um dia aconteceram com algum membro da família. E nestes momentos difíceis os segredos são revelados, e as histórias das pessoas são reescritas.
Jesus tinha uma frase sábia: Conhecerás a verdade e a verdade vos libertará!
Verdades são duras de engolir, esta é a mais pura verdade. Se fossem fáceis, segredos de família nunca assombrariam nossos sonhos e nossa realidade. Até porque não seriam segredos, mas fatos desagradáveis que acontecem em toda e qualquer família. Mas os segredos existem. Existem porque nem sempre queremos lidar com a realidade, e negamos os fatos. Existem pois já houveram época nas quais alguns temas eram proibidos, como por exemplo, uma gravidez indesejada. Nunca falamos sobre eles, pela dor que provocam, e principalmente pela vergonha e culpa. Há famílias que combinam de nunca falar sobre determinado assunto, e assim se faz. São pactos conscientes do tipo: morreu o assunto.
O duro é que o assunto não abordado nunca morre. Ele apenas fingi-se de morto. Perambula em nossa mente. Acompanha nossos pesadelos. Sobre os sonhos, todos sabem, ninguém tem o menor controle.
Conheço pessoas que um dia, assistindo a um curso ou fazendo terapia, lembraram-se de fatos bloqueados de sua infância. Ser assediado por um pedófilo, por exemplo, foi uma cena marcante da infância. E mais comum que possamos imaginar no universo dos meninos. Das meninas todos cuidam, mas os meninos pobres coitados, quantos foram assediados e nem sequer lembravam! Coisas que a família quase nunca percebe. O cara era o amigo. O cara era o professor. O cara era um tio. O cara era o pai. Mas um dia a “ficha cai” e a verdade aparece.   E aí se desbloqueia o próprio segredo, aquele que ainda estava no inconsciente.
Cada um lida com a verdade de seu próprio jeito. Mas a maioria ainda a considera libertadora, apesar de muito, mas muito dolorida mesmo. Lidar com ela é lidar com uma série de sentimentos e emoções: culpa confusão, medo, prazer.
O mais interessante é que tanto nos segredos pessoais como nos familiares, tanto conscientes como inconscientes, quando nos damos conta dele, refazemos a nossa própria vida. Nossas escolhas se tornam mais claras. Muito mais do que um processo de conscientização ocorre um “insight” algo aclarador (a dor se torna clara)  e absolutamente interno. Estas descobertas nos fazem escolher de um jeito novo, deixamos de nos auto-sabotar e principalmente de repetir histórias que não nos pertencem. Histórias passadas que foram de nossos avôs e até bissavôs. Coisas que não nos pertencem são finalmente depositadas em seu devido lugar. São enterradas. Ficam no lugar que devem ficar.
Enterrar o que já passou é preciso, para viver mais leve e carregar apenas aquilo que é nosso vida afora. Segredos de família, ao contrário, nos atolam. Muitas vezes não entendemos por qual razão agimos deste ou daquele jeito exagerado ou tristonho ou até que nos bloqueiam os caminhos da vida. Ao andarmos pela nossa casa, nos deparamos com o muro e as paredes, e nele estão os segredos guardados. Eles estão enterrados nos lugares errados. Ninguém os vê mais, mas eles lá estão. Fazem parte da família, são como fantasmas que estão sempre presentes. Ao descobri-los entendemos sua dor, conversamos com estes fantasmas e os deixamos ir em paz. Afinal, eles não ficaram no aqui e agora porque quisemos. Fazem parte de outra história, de um outro tempo. Assim agindo os libertamos de suas amarras, e desta forma também nos libertamos. Mudamos nossa rota, nosso passado e nosso futuro. O presente nos fez encontrar a verdade. E o mais importante: Perdoamos a todos os nossos antepassados que ficaram presos ao fantasma da casa por seus segredos. Eles não tinham culpa. Eles apenas não souberam lidar, na época deles, com algo muito humano: suas dores e vergonhas.   
A verdade, finalmente, libertou a todos. 

(*) Este texto poderá ser utilizado em outros veículos desde que se mantenha a sua integralidade, autoria e forma de contato: www.pavandesenvolvimento.com.br