quinta-feira, 8 de março de 2012

UMA HISTÓRIA DE MULHERES


“...Que minha solidão me sirva de companhia.
Que eu tenha coragem de me enfrentar.
Que eu saiba ficar com nada e mesmo assim me sentir como se estivesses plena de tudo.
Receba em teus braços o meu pecado de pensar.”
Clarice Lispector - Meu Deus, me dê coragem
 
(*) Suely Pavan Zanella

Há algum tempo pesquisava para uma palestra o tema Liderança Feminina. Minha expectativa era encontrar em livros e artigos acadêmicos exemplos de mulheres com características do Universo Feminino e que tivessem sido, em sua época, líderes promulgadoras da mudança. Afinal, liderança é exatamente isto.

Qual foi a minha surpresa e também decepção ao verificar que, apesar da pesquisa profunda e feita em diferentes idiomas, os exemplos dados eram sempre os mesmos e a fonte era também, em 90% dos casos, escrita por um homem. As mulheres santas e aquelas cujas lideranças lembram os livros atuais de gestão empresarial eram escolhidas a dedo por estes homens autores de livros sobre mulheres. Tudo lembrava a forma de liderar masculina. Estas eram as escolhidas pelos homens.

Exceção feita ao brilhante “Women and Leadership - A Contextual Perspective”, escrito pela PhD Karin Klenke, que aliás define e difere muito bem o que são mulheres gestoras e liderança feminina.

Um tanto quanto frustrada, resolvi mudar o alvo de minha pesquisa e, num trabalho de formiguinha, passei a buscar mulheres que fizeram mudanças no Brasil e no mundo em suas área de atuação: música, medicina, jornalismo, dramaturgia, etc.

A cada novo nome que eu encontrava nesta minha pesquisa original, eu mesma ficava surpresa. Afinal de contas, nem eu mesma havia ouvido falar delas, nem na escola e muito menos entre outras mulheres. Mas elas eram grandes, grande mulheres, que fizeram ou fazem uma enorme diferença em seus países. Raras figuravam na mídia, apesar de suas contribuições.

Fiquei mais surpresa ainda ao apresentar estas ilustres mulheres ao primeiro grupo da palestra Liderança Feminina. Não houve vislumbre nenhum por parte delas. Apesar do capricho visual da apresentação e na abordagem nada monótona desta parte da palestra, só depois percebi que a mulher de hoje ainda está muito impregnada do que os homens dizem ser a verdade.

A própria história do Dia Internacional da Mulher e as referências quanto ao período histórico ginecolátrico são volta e meia desmentidas pelos homens. Definitivamente a história das mulheres foi escrita e creditada aos homens. E ai da mulher que duvide disto!

Apesar de termos evoluído muito ainda somos uma minoria em termos de força. Ao menos aqui no Brasil, mesmo sendo a maioria estatisticamente.

E não pense que este “senso de minoria” ocorre apenas por aqui. Recentemente um jornal de Portugal publicou que as mulheres recebem salários 20% inferiores aos homens. Um famoso economista brasileiro, ao ver esta matéria publicada no Twitter, inseriu o seguinte comentário: “Seja competitivo, contrate só mulheres!”

A indelicadeza do comentário deixa para trás dados interessantes: Mulheres que trabalham são muito mais produtivas. E elas fazem, sim, a total diferença. Antigamente se dizia que, se uma mulher tivesse filhos, sua força de trabalho era menor em função das preocupações da vida doméstica. Hoje se sabe que, em função dos compromissos com os filhos e com a vida de modo geral, elas buscam ser excelentes trabalhadoras em praticamente todas as esferas. São excepcionalmente dedicadas, e arrumaram um significado diferente e mais leve para o trabalho, palavra tão impregnada de dor, sacrifício e suor. O trabalho para elas é alegria, possibilidade e dinheiro. Não o dinheiro em si, mas a abertura para poderem usufruir da liberdade tão duramente conquistada.

A mulher hoje pode fazer o que quiser.

E só agüenta situações constrangedoras por parte dos homens, tanto nos relacionamentos afetivos como profissionais, se ainda estiver com um pé no passado, cuja marca principal é a submissão.

Sim, há muitas mulheres no mundo todo vivendo situações de fome, violência e até morte. A própria O.N.U., ao se referir à justiça social no mundo, deixa bem claro que isto só se obterá quando houver menos sofrimento aos seres mais sofridos na face da Terra: mulheres e crianças. E sua previsão, se tudo der certo, é no ano de 2045 (se a minha memória não estiver errada!).

Negar este fato é negar a própria feminilidade. Não a feminilidade mal entendida dos arquétipos da “femme fatale”, que é sempre manipuladora e comedora dos homens, ou da mulherzinha cujo único objetivo na vida é agradar um homem insaciável, que busca talvez uma faxineira, uma cozinheira ou amante insaciável. Alguém apenas disposto a servi-lo.

Mas a feminilidade que é forte precisa ser resgatada a cada dia, para que não endureçamos nos modelos e estereótipos ligados ao antigo masculino (ele também está mudando). O feminino verdadeiro é forte e pode estar presente dentro de uma mulher e, com esforço de autoconhecimento, também num homem.

Muita gente pode entender este meu texto como feminista, mas como pesquiso este tema há mais de dez anos hoje tenho a mesma certeza assinalada certa vez por um historiador de Harvard, ao dar uma entrevista para o canal Discovery por ocasião do Dia Internacional da Mulher: Se as mulheres soubessem a força que têm, não precisariam inventar o feminismo.

Infelizmente, por desconhecimento, muita gente associa as características do feminino ancestral ou sagrado feminino (aquele que cura) com o masculino e o feminista.

Espero um dia, porém, e talvez eu já esteja bem velhinha neste dia, encontrar não um, mas vários livros que retratem a verdadeira história das mulheres escrita por elas mesmas.

Cada mulher carrega dentro de si uma história, e a mesma pode inspirar e favorecer a melhoria da cidade, do estado, do país e do planeta. Elas hoje, nas redes sociais, são as grandes mestras nas reivindicações de um mundo melhor e mais justo para todos. Aliás, as redes sociais têm a cara delas.

Neste dia, e neste mês dedicado a elas, lembrem-se delas e lembrem-se principalmente umas das outras.

Converse com elas, busque entendê-las, não há dificuldade alguma nisto. Veja o quanto são merecedoras deste dia. Lembre-se que, antes de serem mães, estudantes ou profissionais, elas são mulheres. E mulheres corajosas que exercem cada um dos seus papéis com dedicação e esmero. 


(*) Este texto poderá ser utilizado em outros veículos desde que se mantenha a autoria e a forma de contato: suely@pavandesenvolvimento.com.br