segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Será preciso ir tão longe?


Será preciso ir tão longe?
Comentários sobre o filme “Comer, Rezar e Amar”

Suely Pavan(*)

O filme começa bem, mas o seu decorrer é de uma obviedade gritante. Ele pode servir para americanos robotizados, mas está longe de satisfazer as expectativas de brasileiros sacudidos. Além de tudo, o filme é extremamente longo, quase interminável.
A história é óbvia, como disse, e as saídas são aquelas manjadas: ir para bem longe com o objetivo de se encontrar. Fazem isto os executivos que são adeptos do ano sabático. Ficam um ano fora, viajando, com o objetivo de libertarem-se de condicionamentos restritivos. É como se a pessoa só soubesse viver nos extremos. No caso dos executivos, por exemplo, trabalham que nem máquinas, e depois se dirigem ao extremo oposto. Onde está o equilíbrio, tão necessário às atividades humanas?  
No filme, que é baseado no livro de Elizabeth Gilbert, a autora vive a crise dos trinta anos (crise, aliás, que apenas representa mais um modismo importado dos E.U.A.) e após um casamento sem sentido desfeito, e um namoro tapa-buracos após o casamento, resolve viajar para a Itália, Índia e depois Bali (onde por sinal começa o filme) durante um ano. No filme ela aparece como uma escritora, mas ninguém explica como ela consegue se auto-sustentar durante o tempo que passa viajando. Outra coisa incrível, é que um escritor costuma registrar aquilo que vê e sente e no filme raramente Julia Roberts (atriz que interpreta a escritora) faz isto! Imagino que ela deva ter uma memória fantástica!
Ao chegar ao primeiro país, a Itália, ela fica fascinada com a comida e com o povo apreciador dos prazeres da vida. Uma das cenas me lembrou a lotada Rua Direita aqui em São Paulo, e as pizzarias do Brás. Um brasileiro nato, sem dúvida alguma, não se sentiria deslocado naquele país e muito menos se encantaria com o sentido de prazer, tão comum a nós brasileiros. Mas no filme, a escritora se encanta e faz grandes descobertas acerca de si mesma.
Brasileiros têm a sua essência em três povos festeiros: italianos, portugueses e franceses. Mas, nos últimos anos, têm importado comportamentos americanizados. Quando se perde a essência, o que ocorre é a perdição: buscamos aquilo que não precisamos e nos entupimos de fórmulas mágicas.
Quando o li o livro Inteligência Emocional do Daniel Goleman, por exemplo, fiquei desanimada ao ver que ele se encantou com um motorista de ônibus que cumprimentava a todos e era simpático. Coisa, aliás, bem comum aqui no Brasil. A partir disto o Daniel formulou toda uma teoria recheada de métricas e tornou o livro e a teoria o maior sucesso. Sei que os americanos são bótimos no que diz respeito a métricas, leis, e padrões, mas são absolutamente inexperientes no que concerne ao comportamento inter e intrapessoal. Eles têm a tendência a parametrizar comportamentos, e o mais espantoso, é que nós brasileiros compremos este tipo de coisa. Será que estamos nos esquecendo de nossos potenciais?
O filme “Comer, Rezar e Amar”, é recheado destas pílulas de autoajuda americanas. E o mais incrível é perceber que estas fórmulas prontas de relacionamentos ou Best Sellers americanos tem emplacado rapidamente aqui no Brasil. Foi assim com a seqüência vampiresca e com tudo que vem de lá: filmes, músicas, teorias de administração  e livros. Jogamos literalmente no lixo a nossa cultura européia.    
Bom, depois da Itália, a escritora vai à Índia, e descobre que não precisa ficar entoando mantras ou fazer greve de silêncio através de um crachá para descobrir quem é. Nesta seqüência do filme quase caí da cadeira, ao ver tamanha obviedade.
Ao retornar a Bali, vai atrás do Xamã que conhece no início do filme, e depois encontra o amor de sua vida. Claro, que a princípio resiste a ele, mas depois se entrega.
Para quem gosta de autoajuda e acredita em tudo que os americanos dizem ser verdade, o filme, e o livro (que não lerei) é um prato cheio.
Para os demais minha recomendação como profissional do comportamento humano, devidamente formada e estudada é:
- Faça psicoterapia com o objetivo de encontrar-se. Você não precisará atravessar o mundo por causa disto. Não se auto engane: Se você quiser dar a volta ao mundo, o faça. Mas, não engane a si mesmo e nem ao outros dando desculpas esfarrapadas de que está em ano sabático ou quer se auto-descobrir. Vá viajar sem culpa, e sem desculpas!
-Cuidado com os extremos. Quem leva uma vida extrema costuma buscar saídas também extremas. Já reparou que aqueles que aprontaram muito na vida acabam sempre se encantando com religiões fundamentalistas? Se você tem um buraco existencial, cuide dele ao invés de buscar uma solução extrema e robotizante. Quanto maior o vazio existencial, maior também é a busca por uma solução mágica e hipnotizante. Cuidado!
- Fuja de todos aqueles que te dão soluções comportamentais baseadas na padronização. Dores precisam ser vividas, e ninguém sai com manual de instruções da maternidade. Cada ser humano é único, portanto não existem soluções que se encaixem em todos e para todos. Mensagens bonitinhas são normalmente ineficazes. Quem já passou por grandes dores na vida, sabe que frases de autoajuda remediam, mas não solucionam nenhum problema.
-Leia filosofia, ela te ensinará a questionar a realidade, ao invés de aceitar tudo que dizem que é para você ler ou fazer. Se não souber o que ler, vá a uma biblioteca, ao invés de procurar nas prateleiras dos “mais vendidos”. Encantamento puro é burrice. Exerça a sua inteligência. Admire autores que te fazem pensar, ao invés dos que te dão solução para tudo.   
- Óbvio que comer, rezar e amar são importante para a vida. Os italianos assim como os brasileiros sabem que o prazer da comida, por exemplo, é importante, mas ultimamente vivem assombrados com o medo americanizado de engordar. Lembre-se que há muito mais americanos gordos, do que brasileiros e italianos!
Ninguém precisa ir até à Índia para entender o valor de uma oração. Reze do teu jeito, acredite-se pequeno e confie que há um poder superior. Isto faz bem pra alma!
Amar e permitir-se amar, é bom demais. Claro, que o amor e o relacionamento afetivo em nada se parecem com um filme. No final das contas a autora do livro, apenas queria encontrar um amor, mais nada. Se tivesse admitido isto para si mesma, seu caminho teria sido muito mais curto e fácil.  
Lembre-se que o oposto do amor é o medo, e não o ódio. Para se ter um amor, é necessário vencer o medo. Assista ao belíssimo “O Segredo dos seus Olhos”, e você verá do que eu estou falando por aqui. Aliás, ao assistir ao filme “Comer, Rezar e Amar”, a todo o momento eu me lembrava deste outro filme. Este sim, inteligente questionador e remexedor.