terça-feira, 8 de setembro de 2009

DIGNIDADE

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 DIGNIDADE
Suely Pavan (*)


Nos cursos abertos de desenvolvimento pessoal que ministro tenho por hábito distribuir caderninhos coloridos contendo palavras escritas em japonês e português em sua capa. Como a maioria do público destes cursos são mulheres, os caderninhos escolhidos normalmente versam sobre temas como amor e beleza. No último curso sobrou um caderninho todo azul e com o seguinte escrito: Dignidade.

Ele ficou guardado por um bom tempo num armário do meu escritório, e recentemente resolvi usá-lo para anotar minhas idéias. Tenho vários cadernos de idéias, nos mais diferentes lugares: carro, bolsa, banheiro e criado-mudo.  Ele parecia apenas mais caderninho de idéias, até o dia em que absorta na minha mesa de trabalho resolvi olhar com mais atenção para aquela bela palavra: Dignidade.

Pensei também sobre o motivo que ninguém o havia escolhido. Será que falta dignidade? Será que sobra dignidade? Ou será que não damos o devido valor a ela.

Lá fui eu pesquisar sobre a tal palavra. Na realidade uma virtude.

Descobri que na Índia, por exemplo, o símbolo da dignidade é o pavão, e quem faz uso dele em seus adereços é o próprio Krishna.

Em sua raiz etimológica dignidade, provém do latim: dignus é “aquele que merece estima e honra aquele que é importante”. 

E foi aí que pensei: Mas nem sempre recebemos a estima e honra que merecemos. Como agir então com dignidade, exigir nossos direitos e principalmente o devido respeito?

Foi neste momento da pesquisa que me deparei com outra palavra: arrogância.

Lembrei então de um filme: O óleo de Lorenzo. Ele é a história verídica de um menino – o Lorenzo – que aos seis anos de idade começa a manifestar uma série de sintomas relacionados a uma doença muito rara a adrenoleucodistrofia. Seus pais vendo que os médicos não tinham uma solução para o caso de seu filho, passam a pesquisar sozinhos alternativas para a doença. E é assim que eles encontram o tal óleo, que passou a se chamar “óleo de Lorenzo”. Numa famosa cena do filme o pai de Lorenzo é chamado de arrogante pelo médico, devido a este confronto com a ciência. O pai furioso reage ao julgamento do médico dizendo algo que eu nunca esqueci:- Sou arrogante sim. Arrogante vem de arrogare, que é aquele que arroga um direito para si. Se apropria dele.


Infelizmente o termo popularmente se vulgarizou, e passou a ser visto muito mais como pretensão, pedantismo e soberba tal como era entendida a palavra no século 19. Só para concluir a história de Lorenzo, ele contrariou todas as expectativas médicas, que diziam que ele iria durar muito pouco. Viveu até os 30 anos de idade, e morreu de pneumonia no dia 30 de maior de 2008, e segundo o seu pai sua morte nada teve a ver com a doença original de Lorenzo. Se o seu pai não tivesse sido digno e arrogante o bastante para desacatar a ciência médica, provavelmente o menino teria morrido lá pelos seus oito anos de idade.


Sim na vida é preciso em muitas situações ser arrogante, até porque às vezes é a única forma de se manter a própria dignidade, ou o direito ao merecimento e ao respeito.


Minha percepção dos brasileiros é esta: Exigimos muito pouco, e desta forma ferimos a nossa própria dignidade. Tratamos-nos como seres indignos de respeito, e por esta razão toleramos o intolerável: filas, explicações mal dadas, e o que é pior, a perda de tempo, a perda da própria vida, computada em minutos, horas e dias.


Deixamos por comodidade coisas importantes e que manteriam a nossa dignidade. Nos conformamos e vivemos a justificar o comportamento alheio:


- Coitado, ganha pouco;


- Deixa para lá, não adianta reclamar mesmo;


- Sempre foi assim, nada vai mudar.


E um monte de outras expressões que tanto você quanto eu já estamos cansados de escutar.


 


Esquecemos-nos que dignidade não pode e muito menos deve ser deixada de lado, em troca de amor ou beleza. Não é toa que o caderninho com esta imponente palavra foi deixado prá lá!


Ficar num amor ou relação que não nos dignifica é o mesmo que dizer que o outro: Eu não mereço.


Perder a dignidade por causa da beleza, do trabalho, ou de qualquer outro fator também não vale a pena.


Merecer direitos, saber exatamente o tamanho que se tem, deixar de se confundir e poluir em função do outro, e se for preciso subir no salto e ser arrogante, são coisas que não deveríamos deixar de lado, por nada e muito menos por ninguém.


A dignidade pode andar sozinha, mas em alguns momentos ela precisará da ajuda firme e forte da arrogância para manter-se em equilíbrio.


 


(*) Este texto poderá ser utilizado em outros veículos, desde que se mantenha a integralidade do texto, sua autoria e forma de contato: www.pavandesenvolvimento.com.br