Quando
Será o Dia da Minha (Sua) Morte?
Por Suely Pavan Zanella
Eles estavam felizes. Alguns assistiam a um jogo de
futebol, outros foram ver um show de heavy metal em uma casa que desde sua
fundação estipulou que por lá valeria qualquer tipo de espetáculo, menos a tragédia.
Outros passeavam nas ruas. Havia também
aqueles que bebiam e fumavam nos bares, bem ao estilo livre e com mania constante
de contemplar a vida parisiense. O que
nenhum deles sabia é que minutos depois muitos deles estariam mortos. Aqueles
que ao contrário deles cultuavam a sombra e a infelicidade não se eximiram em
atirar aleatoriamente. O que a vida e seu sentido representam para todo e
qualquer assassino? Nada.
Fernando Savater em seu livro Ética para o Meu Filho
diz que se todos os maus da face da Terra fossem corajosos diriam: Sou mau porque
sou infeliz. E sou infeliz porque nunca fui amado.
Só os infelizes e sombrios não se eximem em apagar a
luz alheia. Os puritanos fazem o mesmo, com a diferença, que matam a vida em
vida. Quando você está bem, eles acham o contrário e vive e versa.
Os assassinos em geral seguem o mesmo curso. A vida
para eles não representa nada, então, dentro desta lógica tirar a vida alheia
dá no mesmo resultado: o nada.
Mas, para a maioria de nós que tentamos diariamente
trabalhar, estudar, conviver com família e amigos, viver é muito importante. E
nos momentos do dor da morte alheia, próxima ou não, passamos a pensar na vida
e em sua importância. Não para viver intensamente, e desta forma também acabar
com a vida mais rápido, mas sim para ir vivendo. Acredito que o gerúndio caiba
exatamente bem quando o tema é vida. Vida que te quero viva!
Talvez o evento mais emocionante para os seres humanos
seja o fato de ainda viver. E não saber quando tudo isso um dia e por qualquer razão
cessará. Não importa que você seja adepto de alimentação saudável, coma só alface,
até. Seja fumante ou não. A verdade é
que todos nós apesar da vida que vivemos um dia morreremos. Ninguém ficará para
a semente, mesmo que leve a vida mais saudável do mundo. Todos os veganos um
dia morrerão. Todos os que tomam não sei quantas xícaras por dia de café, idem,
mesmo que as pesquisas digam que tomar não sei quantas xícaras do bom café
promova a longevidade. Até porque viver muito ou preso a mil aparelhos em uma
cama de hospital não deva ser lá muito bom!
Um vizinho de noventa e oito anos um dia no horário do
almoço me disse: Viver muito cansa. O corpo não acompanha a sua cabeça!
O negócio, eu acho, é viver bem! Já que ninguém sabe
mesmo quando partirá para sempre.
Você pode estar bem, e de repente ser surpreendido com
a morte, como aconteceu em Paris, e diariamente nos homicídios.
Você pode estar doente, e se recuperar. Ou então estar
doente e não alardear a sua doença, e de repente morrer. Já perdi três amigos
do Psicodrama assim. Eu os acompanhava pelo Facebook, mas os conhecia pessoalmente,
e um dia descubro que eles morreram. Obviamente levo um susto, e só depois
descubro que eles estavam doentes. Mas diferente de muita gente que hoje quer
se tornar famoso através de sua doença, desgraça ou mazela da vida, eles não
propagandeavam as suas dores, ao contrário faziam postagem inteligentes e bem
humoradas. Mas, no reduto de suas vidas particulares se tratavam. Nenhum deles
deixou de trabalhar em meio aos tratamentos. Doença, estupro, depressão, ou
seja, lá o que for não representa ninguém. Somos mais que isso, somos a vida
que levamos. É o nosso conjunto que interessa. E aquilo que deixamos como
exemplo.
Todos os dias no Twitter eu leio o obituário de alguém,
acho que é a Folha de São Paulo que publica. Não sou chegada a dramas, mas é
muito especial o jeito com que descrevem a vida de alguém: Gostava de cuidar
das plantas; era apaixonada por piano...Descrições dos legados em vida.Isso é
lindo! Todo o ser bom, deixa algum bom legado. Não preciso ser famoso e nem
seque reconhecido pela população do planeta.
Não tenho como resgatar um monte de gente que morreu.
Gente que sinto falta, muita falta. Alguns até hoje não acredito que morreram,
tal como minha prima e meu pai. Mas, lembro-me deles e de todo o significado
que eles tiveram na minha vida. Posso dizer que convivo com esta dor
diariamente. Não adianta, quando perdemos alguém que de fato amamos a dor dói e
muito. A saudade aperta, principalmente quando chega esta época do ano, em que
a família é muito vital. Natal e Ano Novo com gente amada fazendo falta são difíceis
de encarar.
Não recomendo a ninguém pessoal e profissionalmente,
que engula as suas dores, ao contrário. Dores fazem parte da vida e são
sofridas. Mesmo que as frases de autoajuda digam o contrário, como essa aqui,
por exemplo: A dor é inevitável, o sofrimento não!
Apesar do jogo de palavras ser lindo, nunca vi ninguém
sentir dor sem sofrer, aliás, são palavras semelhantes.
Quem engole dores um dia é cobrado por elas. Perceba
que ao mesmo tempo em que cresceu a autoajuda (normalmente nos momentos de
crise) também aumentou a depressão.
Tem gente, hoje em dia, que vive anestesiado com medo
de não sentir dor. Quer que elas passem bem rápido. Não passam!
Lembro de Freud que ao perder o seu neto querido perdeu
também a vontade de viver. Trabalhava porque tinha contas a pagar, mas não
tinha vontade de nada. Assim é o luto. Arrastamos-nos, para poder seguir em
frente. E um dia, cada um ao seu tempo, conseguimos seguir. Assim é a vida!
A cidade de Paris está em luto, e mesmo assim, junto
com sua dor silenciosa tenho aprendido muito com os parisienses. Os mais velhos
dizem: A vida tem que continuar, ceder ao medo neste momento é a pior coisa.
Eles têm razão. A vida continua e carregamos a dor dentro de nós, e através do
nosso silêncio.
Ninguém sabe, afinal, quando será o dia de nossa morte.
Mas enquanto este dia não chega que façamos de nossa vida algo digno, não só
para nós, mas para todos que nos circundam. A luz sempre incomodou a escuridão.
Que a vida nos mostre sempre a luz, e nos afaste da escuridão. É da luz que
veio a vida, a liberdade e a inteligência. Que seja feita a luz!