segunda-feira, 24 de junho de 2013

A “CURA GAY” E A PERDA DE ESPAÇO DA PSICOLOGIA



A “CURA GAY” E A PERDA DE ESPAÇO DA PSICOLOGIA


Suely Pavan Zanella
O Projeto de Decreto Legislativo 234/11 do delegado de polícia, pastor auxiliar da Assembleia de Deus e deputado do PSDB / GO (*) JOÃO CAMPOS DE ARAÚJO (foto) e que foi apelidado, com razão, de “cura gay” já que pretende suprimir os seguintes trechos da resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1/99 de 23 de Março de 1999:

“Art. 3° – os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.
Parágrafo único – Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
Art. 4° – Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.”

Em primeiro lugar, como psicóloga, eu não entendo como um delegado de polícia pode se meter na seara alheia!
Seria o mesmo que alguém dizer que a Terra é quadrada, ou inventar uma doença qualquer sem ser médico ou pesquisador da área.
Apesar do absurdo total do projeto ele foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. E obviamente não será aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Casa antes de ser votado no Plenário.
Os evangélicos ficaram incomodados pelo apelido de “cura gay” dado pela imprensa e veementemente disseram que o objetivo do projeto não é este. Então qual é?
Na minha atividade profissional como psicóloga tanto no âmbito organizacional como psicoterápico presenciei por diversas vezes o sofrimento de homossexuais que tentavam se enquadrar aos ditames da heterossexualidade principalmente no âmbito empresarial. Como é sabido as empresas nem sempre aceitam homossexuais em seus quadros, e quando o fazem algumas tornam sua sexualidade motivo de brincadeiras e até exclusão. O preconceito ainda é grande, assim como o tão pouco estudado Comportamento Sexual no Trabalho. Tanto que a minha empresa, a Pavan Desenvolvimento, faz hoje uma pesquisa pioneira neste sentido: http://www.pavandesenvolvimento.com.br/pesquisa_comportamento_sexual_2013.aspx
Fica muito claro, para aqueles que exercem a psicologia, que o tal projeto, além de inconstitucional, também fere a dignidade humana. Se o psicólogo tem como missão principal fazer o indivíduo encontrar-se a si mesmo, como poderia enquadrá-lo, tentando curar aquilo que não é doença?  Seria o mesmo que um paciente chegar ao médico dizendo que tem câncer e após os exames ser constatado que não o tem. O que faria o médico? Cederia aos ditames do paciente ou o encaminharia para uma psicoterapia?
Nenhum psicólogo deixará de atender homossexuais que busquem o serviço psicoterápico ou o aconselhamento nas empresas. Mas tenho certeza de que poucos ou os apenas ligados a movimentos religiosos transformarão gays em ex-gays. Não há cura gay da mesma forma que não transformam negros em brancos e nem anões em pessoas altas.
Infelizmente no Brasil psicólogo a torto e a direito transformam-se em pastores, ou vice e versa, e claro, confundem constantemente a população com suas abordagens. Portanto, isto que vivenciamos agora já era mais do que esperado. Apesar da pregação do Estado Laico, não é isto que percebemos em nosso cotidiano brasileiro.
O espaço do psicólogo ou da psicologia está tomado já faz muito tempo. Eu como cidadã e também psicóloga já tentei contato escrevendo para o Conselho Federal de Psicologia e ligando para o CRP de São Paulo, sem sucesso algum.
Vejo pessoas há tempos se intitulando como “especialistas em pessoas” sem terem estudado psicologia, a torto e a direito em palestras e na TV, e confesso que ao procurar o meu conselho ou recebi respostas dúbias ou nenhuma resposta.
O mesmo acontece com a enxurrada de ditos instrumentos de avaliação de personalidade travestidos de instrumentos criados por consultorias utilizadas amplamente pelas empresas brasileiras e que tem prejudicado milhares de candidatos que não tem aonde recorrer, já que os testes psicológicos são parametrizados pelo Conselho Federal de Psicologia, mas estes pseudoinstrumentos científicos, não. A quem recorrer?
Se o C.F.P. ocupa-se somente se o psicólogo não cumpre o seu Código de Ética, mas não se preocupa se outros exercem a psicologia (mesmo não tendo este nome) apesar de não serem psicólogos. Há várias práticas de atendimento semelhantes à psicoterapia, principalmente de cunho esotérico e religioso, que tem tirado o espaço profissional daqueles que dedicaram anos de suas vidas ao exercício legal da psicologia.
Portanto, não me causa estranheza que projetos sem pé e nem cabeça como este da cura gay e do ato médico (leia à respeito) apareçam  nos jornais. Não é de hoje que a psicologia perde seu espaço, infelizmente.
Eu mesma neste blog já escrevi sobre isto no texto PSICOLOGIA: O QUE É, E O QUE NÃO É!  Em uma tentativa de esclarecer à população quais são os serviços de um psicólogo. Acredito que o C.F.P. devesse fazer o mesmo de forma clara, e não apenas através de notas de repúdio.
O espaço do psicólogo também deveria estar garantido, e qualquer um que suplantasse este espaço, a meu ver, deveria ser punido por exercício ilegal da profissão. Afinal, é preciso esclarecer á população e as empresas sobre os serviços profissionais dos psicólogos e os testes psicológicos.
Sem esta garantia de espaço profissional não só o psicólogo perde trabalho como a psicologia fica na seara de qualquer um que diga que faz psicoterapia ou aplica instrumentos de aferição de competências de personalidade para cargos. Assim como profissionais despreparados, mas religiosos, poderão amplamente curar gays.
A autoajuda também e infelizmente tem substituído a psicologia, recomendo a todos os adeptos deste tipo de literatura e também das palestras motivacionais “adoradas” por empresas que querem a todo o custo aumentar de forma maquiada a sua produtividade que assistam ao filme O Mestre. Apesar de chato, ele é uma bela lição de pseudotécnicas de tratamento.
Já faz tempo que o espaço do psicólogo tem sido ultrajado, sem que nada aconteça. Agora, é importante pensar por qual razão isto é tão frequente e massivo quando se trata de psicologia?
Tenho certeza de que se fosse com os médicos, engenheiros ou advogados isto não aconteceria.



 (*)http://www.camara.gov.br/Internet/Deputado/dep_Detalhe.asp?id=520857