A
GOURMETIZAÇÃO DAS FESTAS JUNINAS
Por Suely Pavan Zanella
Se há um tipo de festa que me traz ótimas recordações
são as festas que acontecem em junho, e por este motivo são chamadas de
juninas. Fogueira, quentão, barraquinhas vendendo salgados e doces típicos, e
claro, quadrilha. E quadrilha é embalada pelas músicas do saudoso Mario Zan e
com gente vestida como caipira, com vestidos de chita, chapéu de palha, dentes
pintados de preto e camisas xadrez. A música tocada na quadrilha também tem uma
marcação própria e que começa com o caminho da roça, e passa por diferentes
obstáculos, como a chuva e a cobra, alem da roda e aquele túnel, que para as
pessoas altas como eu sempre foi um martírio. A dança é solta, leve e alegre.
Festas juninas fazem parte do rol das tradicionais comemorações brasileiras. E
são, ou melhor, eram até o ano passado (data em que eu participei da última com
essas características) uma delícia.
E com esta expectativa de repetir a dose do ano
anterior, lá fomos nós, eu meu marido e minha neta para a festa infantil do
Esporte Clube Banespa. Na programação da festa no domingo se dizia que haveria quadrilha
infantil, música e barraquinhas. Eu e meu marido ainda sonhávamos em comer o
delicioso sanduíche de pernil que saboreamos no ano anterior. Ao chegarmos lá,
por volta das 15:00, hora marcada para o início da festa, me surpreendi ao ver
que uma espécie de tapete estava sendo colocado na região central do local onde
tradicionalmente se realiza a quadrilha. Não entendi o motivo, afinal a
quadrilha é dançada em toda a extensão do espaço, ou melhor, era. Minutos
depois o início da quadrilha das alunas de balé é anunciado. Aí quase caí da
cadeira ao ver várias meninas entrando vestidas de botas, saias jeans, lenços
no pescoço. Logo pensei: OOOOO, cadê a quadrilha? Aquele negócio colocado no
chão era uma espécie de palco para as coreografias (vide foto). A segunda
quadrilha do pessoal do balé e sapateado (?) seguiu o mesmo estilo. Músicas
como Macarenha, que é o símbolo internacional do “Não dance, apenas siga a
coreografia”, e também Foot loose, que ironicamente significa pés soltos, foram
tocadas em ritmo country. Sei que esta goumertização das festas juninas com a
inserção constante de coreografias da música country é uma constante há alguns
anos nas escolas paulistanas. Por qual razão isso aconteceu, eu não sei.
Escolas, a meu ver, deveriam incentivar a soltura, a espontaneidade das
crianças e adolescentes, afinal esse é o ingrediente básico da criatividade num
mundo cheio de gente que só sabe copiar e colar. E danças americanas não são lá
um grande exemplo para isso. Sem falar no saber cultural, nossos caipiras não
tem nada a ver com a ver com a realidade country. Mas as escolas se encantam em
importar modelos como festas juninas travestidas em country e halloween, por
exemplo. E brevemente não estranhe, se começarem a incentivar que façamos
festas para comemorar o Dia de Ação de Graças. É como se ensinassem desde
pequenos as crianças a terem vergonha de nossas tradições além de valorizarem a
dureza corporal.
Foi muito interessante também observar a não reação das
pessoas a estas duas quadrilhas. Salvo, os pais, que obviamente tiravam fotos
dos seus filhos, os demais estavam inertes. Não havia nenhum tipo de interatividade.
Houve inclusive um espaço dentro da quadrilha para que as fotos fossem tiradas,
como se faz no Oscar.
Depois destas duas quadrilhas, foi feita a quadrilha
verdadeira, com adesão das pessoas que participavam da festa, e também pude
notar como é difícil para alguns entenderem o que é o “caminho da roça”, por
exemplo. Tinha gente esperando, principalmente as crianças e adolescentes, que
alguém lhes mostrasse como era a coreografia. Toda a dança pode ter passos
marcados, como ocorre na quadrilha e também na dança de salão, mas em ambas é
saudável que haja espaço para a criatividade. Notei que tanto adultos quanto
crianças ficavam esperando uma ordem superior que lhes mostrasse o que deveriam
fazer.
Quando as bandas começaram a tocar, apesar de eu não
ser fã de música sertaneja, notei que houve uma diferença. Adorei umas senhoras
que dançavam literalmente conforme a música, e era soltas, tinham o corpo leve,
em detrimento de adolescentes que a todo o custo tentavam imitar movimentos que
provavelmente viam em clipes das músicas tocadas. É muito duro ver gente tão
jovem e com o corpo tão duro, acredito que no futuro precisarão de um manual
para transar, ou então copiarão as reações e performances dos filmes pornôs.
Já frequentei, há poucos anos, festas juninas em hotéis
e clubes e nunca havia visto esta gourmetização e excesso de coreografia como
vi ontem. As barraquinhas, também serviam comida chinesa, italiana, e algumas
como muitos doces típicos (eu não sou chegada em doces!). Bom, aquele sanduiche
de pernil também ficou na saudade, pois mais se parecia com algo pré-mastigado,
além da falta de temperos e excesso de cebola, apesar do nome da barraca se
chamar ironicamente Bistrô!
Minha neta que tem três anos se divertiu muito, ela
ainda não foi contaminada pelo vírus da coreografia, e dançou e também correu
livremente. Percebi que as crianças pequenas no geral dançam muito bem. A
música entra dentro delas, e elas, simplesmente dançam. Espero que as escolas do futuro não a tornem
bitolada!
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