segunda-feira, 18 de junho de 2012

OS MORTOS NÃO FALAM!


OS MORTOS NÃO FALAM!

 Angela Bismarck volta chorando depois de saber da morte da irmã. / Foto: R7.


Suely Pavan Zanella

Salvo para os espíritas que acreditam que os mortos podem se comunicar com os vivos, na maioria das vezes eles não falam. Principalmente quando acabaram de desencarnar ou morrer.
Portanto, este papo furado de: “Sua irmã estaria mais feliz se você ficasse no programa” (caso da Angela Bismarck que escolheu ficar no programa A Fazenda, apesar do súbito falecimento da irmã)...Não passa de conveniência para os vivos fazerem aquilo que têm vontade e desta forma suprirem seus desejos.
Num sociedade como a nossa onde o hedonismo (busca do prazer) é a mola mestra aquilo que é anormal e doentio acaba sendo vendido como “coragem”.
Nas palavras da própria Angela: Seu eu ficar (no programa) estarei sendo corajosa, se sair será derrota!
Coragem é lidar com a dor. É despedir-se do morto sabendo que nunca mais irá encontrá-lo. Ou simplesmente dizer: “Não tenho coragem de ir ao velório de fulano (a)”.
Em ambos os casos acima, ir ou não ir ao velório de um ente muito próximo e querido, é assumir o medo, ao contrário de negá-lo ou ainda travesti-lo de coragem.
Outra atitude que denota como algumas pessoas estão confundindo pessoas com coisas é a seguinte: Não posso fazer mais nada, então ficarei aqui (no trabalho, no “reality show”, na peça de teatro). Como se a gente sempre precisasse fazer alguma coisa em todas as situações. Como se não conseguisse baixar o facho e apenas ser e agir como humano. No livro “Justiça- O que é fazer a coisa certa” do filósofo que lota os auditórios de Harvard com seus questionamentos sobre o viver a vida para milhares de jovens, o Michael J. Sandel, ele chama este tipo de comportamento de utilitarismo. Agindo assim uma pessoa trata o outro como coisa. Ou no linguajar do psicodrama (teoria e método criado por Jacob Levy Moreno) trata o outro como “Eu-Coisa”, ao invés do relacional e vincular “Eu-Tu”.
Ao coisificar o outro ele é apenas um ser útil para mim e enquanto estiver vivo ou se precisar dele para alguma coisa minha.
Um dos mais lindos trabalhos que li sobre a morte foi o TCC (trabalho de conclusão de curso) de uma psicóloga que agora infelizmente não lembro o nome, nele os velórios e enterros são necessários para que possamos nos despedir dos nossos mortos. Os americanos, segundo este TCC, embelezaram a morte, dando um tratamento digamos “VIP” aos seus mortos. Criaram uma indústria de preparação do corpo, para que a morte não chocasse aqueles que vão ao seu velório. Antes disso avós e pessoas mais velhas conviviam com crianças dentro da mesma casa. E um dia naturalmente, os mais velhos morriam, e todos encaravam este evento como natural. Ninguém negava a existência da morte e muito menos dava palavras inexistentes ao morto, ou exigia que aquele que perdeu um ente amado fosse “forte”, ou “que a vida continua” e outras bobagens inócuas que atualmente escutamos em velórios. A dor da perda, o luto, precisa ser vivida, e cada um tem o seu tempo para vivê-la, e nada nem o dinheiro ou o trabalho a supre. Freud no seu livro “Luto e Melancolia” difere muito bem o que é luto digamos normal e humano, da melancolia no qual a autoestima se perde. No luto o objeto de amor se foi, e tudo aquilo que se vinculava a ele, como por exemplo, as roupas que usava, aquilo que falava, faz uma falta enorme, uma espécie de buraco impreenchível.
Portanto, dar falas a um morto, como se ele fosse uma espécie de boneco de ventríloquo, é doentio. A longo prazo, negar a morte, ou arrumar-lhe uma função útil, faz muito mal à saúde física e emocional.
Vivemos na sociedade das aparências materiais, porém isto não significa que as dores humanas deixem de existir.  
Um professor de neuroanamotia na faculdade de psicologia ensinou algo aos seus alunos que nunca mais esqueci: “Que a frieza do cadáver nos ensine a ser mais humano”.

“Nada que o afaste da essência de sua dignidade vale a pena. Viva de forma a não se arrepender depois.”
(Via twitter de @carlos_psico)