SESSÃO
DE TERAPIA (SÉRIE) É PSICOTERAPIA?
Suely
Pavan Zanella
Acabo de ler a matéria da Revista Cult com o autor da série “Sessão de
Terapia” chamada “Falta espiritualidade na terapia”. Porém mais interessante do
que a entrevista do autor, Hagai Levi, sobre sua série são os comentários dos
leitores à respeito dela (Veja o link no final).
A série que agora passa no Brasil é uma franquia, ou seja, poucas
modificações podem ser feitas, e todas elas tais como as aculturações ao realizadas
apenas com a autorização do autor.
Particularmente gosto da série, acho-a interessante, embora saiba que o
que vemos na telinha é ficção e não corresponde ao que se passa no espaço
sagrado das quatro paredes de um consultório psicoterápico. O psicoterapeuta
parece com um psicanalista, ao menos com o estereótipo midiático do mesmo,
embora todos saibam que um psicanalista atenda no mínimo três vezes por semana.
De qualquer forma a série não deixa clara a linha seguida pelo psicólogo,
sabe-se apenas que ele estudou psicologia, mais nada!
Quando me formei em psicologia em 1979, minha formação se deu em
psicodinâmica, ou seja, minha base de leitura dos clientes (pacientes) era a
psicanálise, Freud e Melaine Klein. Depois fiz a formação em Analise Transacional
e Psicodrama. Não optei por ser psicanalista devido à verborragia excessiva,
embora a leitura da sessão me agrade. Freud é Freud, e a base de tudo. Adoro
ler Jung e gosto de integrar todos os meus conhecimentos ao atender meus clientes.
Porém, falando em psicodramatês, acredito, e tenho quase certeza de que o
terapeuta da série confunde seus papéis públicos com os privados. Não devido ao
fato de atender as pessoas em casa. Fato que Lacan, por exemplo, o fazia, mesmo
sendo psicanalista de carteirinha. Aliás, Lacan deixava o espaço da sala de estar
de seu apartamento, como uma espécie de “sala de convivência” entre os seus
pacientes, isto quando não atendia de portas abertas.
O que eu acredito é que o psicólogo da série confunda são suas questões
pessoais com a de seus pacientes. Isto pode acontecer, é claro, mas é preciso
estar antenado, ou como dizia Freud: “Utilizar-se da atenção flutuante.” Ou seja,
prestar atenção a si mesmo e na reação que o cliente passa com o objetivo de
distinguir o que é de si mesmo e o que é do outro.
Outro problema sério são os contratos. No dia em que o psicólogo vai
buscar supervisão (será mesmo) não se sabe a que veio. Foi buscar ajuda de uma
amiga? Foi fazer supervisão, e sim de que caso? Foram resolver mágoas do
passado? Ou seja, os papéis ficam novamente misturados e contaminados, de ambos
os lados.
A “dureza verbal” também é uma marca registrada da série, tanto na figura
do psicólogo como de sua supervisora (?), ou seja, uma terapia na base da “porrada”.
E aí é interessante, pois já conheci muita gente, muita mesmo, que só gosta de
fazer terapia e só respeita gente assim: “que fala verdades na dureza”. O afeto
passa longe!
No documentário que assisti sobre a vida de Lacan na TV Cultura achei
muito interessante os depoimentos de seus antigos pacientes. Todos sem exceção
diziam que Lacan era uma pessoa gentilíssima, que te segurava com uma mão e te
chacoalhava com a outra. Os clientes só aceitavam seus chacoalhões em função da
sua extraordinária afetividade.
Psicoterapeutas que só chacoalham e dão duras normalmente trabalham com
uma vertente que considero particularmente perigosa: Eles retiram as defesas do
cliente, e o deixam frágeis e confusos. Nestes
meus 33 anos de profissão, vi frequentemente pessoas que só dão valor a terapeutas
deste naipe, infelizmente.
Particularmente detestaria fazer psicoterapia com o psicólogo mostrado na
série. E aí tanto faz a versão, na americana ( In treatment) os terapeutas se
comportamento da mesma forma.
A impressão que tenho é que ele se contém tanto, mais tanto, que vai
explodir a qualquer momento. Não demonstra nenhuma forma de espontaneidade. Ele
mal fala, e quando o faz demonstra insegurança, e usa aquele velho jargão do “me
parece que”.
O autor na entrevista diz que os temas mostrados na série são universais,
não concordo. O que vemos hoje nos consultórios psicoterápicos são os dramas
vividos no ambiente profissional, a solidão, a insegurança nos grandes centros
e as relações afetivas entre pares, com os filhos, etc.
De qualquer forma a série como ficção é excelente, e dificilmente alguém conseguiria
reproduzir com veracidade, salvo se filmasse as sessões com a autorização do
cliente, o que se passa num consultoria de psicoterapia. Mesmo com esta
autorização acredito que os próprios psicoterapeutas sentiriam-se intimidados,
pois teriam que lidar com a crítica feroz daqueles que não estão no lugar deles
e não sabem, portanto, o que é melhor para o seu cliente naquele momento.
Para você entender com mais clareza a base deste texto sugiro que leia:
b)
E assista o documentário Rendez vous avec
Lacan (Encontro com Lacan), de Gerard
Miller.