O
Caso Bernardo: Indiferença e Omissão
Suely Pavan Zanella
A indiferença parece ser o traço marcante daqueles que
abraçaram, com braços frouxos, carreiras cuja principal missão é proteger. Nos deparamos
com ela nos corredores dos hospitais e escolas públicas, e toda a vez que
precisamos de ajuda daqueles que são pagos em seus cargos para nos ajudar.
Pessoas que nos tratam como “mais um” em seus entediantes expedientes de
trabalho, e não como seres humanos com seus dramas e dores particulares.
Há muitos anos eu escrevo sobre este tema – a indiferença
humana- que é parceira de “unha e carne” da omissão. O tema tem passado batido,
ou indiferente, e é até alvo de críticas quando o alvo são as indefesas
crianças. Parece que ninguém ou quase ninguém se importa com elas. O tema fica
um tempo pairando no ar, mas depois morre junto com as crianças vítimas da
indiferença.
A indiferença e a omissão foram a mola propulsora no
caso Bernardo. Todos sabiam o que acontecia com ele, mas nada puderam fazer.
Ele mesmo chegou a procurar ajuda indo no dia 24 de janeiro de 2014 ao Centro
de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, reclamou que era ofendido
diariamente por sua madrasta e que o pai não se importava com ele. Queria morar
com outra família. A promotora do caso procurou a família indicada por
Bernardo, mas esta reclinou em ficar com o menino, pois não queria se indispor
com o pai do menino. Como todos sabem o pai de Bernardo é médico e uma figura
importante na comunidade de Três Passos.
Diante do fato o Ministério Público em 31 de janeiro de
2014, com o objetivo de proteger o garoto, pede à Justiça que dê a guarda dele
para a avó materna.
O Juiz Fernando Vieira Santos, da Infância e da
Juventude, marca uma audiência com o pai de Bernardo. Ele se recusa a passar a guarda para avó
materna e promete uma reaproximação com o menino. O Juiz, então marca uma nova
audiência para 13/05/2014 em que Bernardo e o pai devem comparecer juntos. O
Juiz toma esta decisão baseado nos seguinte fato: Não havia violência física,
apenas afetiva. Vide
G1
Infelizmente no Brasil a negligência ou indiferença
afetiva não é relevante. Uma criança precisa ser espancada e ter sinais de
violência para que seus pais percam a guarda e isto também é relativo. Quem se
esqueceu do caso dos dois irmãos que buscaram ajuda junto ao Conselho Tutelar e
depois foram encontrados esquartejados em uma praça no interior de São Paulo?
Eu mesma escrevi dentre vários outros, o texto “Crianças
Abandonadas” sobre o caso. Repercussão: Nenhuma! Indiferença total. Parece
mesmo que ninguém está preocupado com as crianças em nosso país e delegam aos
pais biológicos a responsabilidade total sobre os bons e maus tratos junto a elas.
Enquanto a família biológica tiver mais poder do que a
afetiva casos como o de Bernardo ocorrerão. Enquanto não nos sentirmos seguros
em ver que denuncias feita por qualquer pessoa serão de fato investigadas pela
polícia através de um aparato especial para tal fim casos assim sempre
acontecerão. É uma ingenuidade achar que o caso Bernardo será o último se nada
em relação à criança e às relações afetivas familiares mudarem. Quantos e
quantos pais são indiferentes aos seus filhos, os desprezem e nada acontece?
Bernardo era desprezado pelo seu pai havia tempos. A
cidade acompanhava este desleixo e o que fazia?
A Promotora Dinamárcia Maciel disse: “Que horror, o
Ministério Público não fez nada. Eu digo: 'Que horror que o senhor e a senhora
que sabiam disso não procuraram a promotoria e nem o juiz da Infância. Cada um
que não nos trouxe essas informações tem um pedaço de culpa no caixão do
Bernardo em Santa Maria”
Concordo plenamente com ela. Houve neste caso, assim como
em tantos outros, uma rede de indiferença e omissão. Mas, ao mesmo tempo me
pergunto: Se alguém tivesse tido a coragem de denunciar esta indiferença
psicológica o que teria acontecido?
Você já ligou para o disque 100? Ou pediu ajuda ao
Conselho Tutelar quando percebeu uma criança vítima de indiferença paterna ou materna?
Como já escrevi em dezenas de outros textos, eu já, e o resultado foi inócuo.
Ninguém investiga nada. Qual o aparato investigativo que temos? Quanto
psicólogos são acionados nestes casos? Que preparo eles têm?
São perguntas que continuam sem respostas. A falta
delas gera pessoas indiferentes que não estão nem aí para o dor do outro, principalmente
quando ele ou ela é uma criança que depende totalmente do afeto de seus pais.
Muitas vezes eu escrevi twetes para a então Ministra da Secretaria dos Direitos
Humanos Maria do Rosário e fiquei sem resposta a todos eles. Isto também é
indiferença.
Já busquei orientação para estes casos junto a Juízes
das Varas de família, e o que encontrei? Indiferença e falta total de
respostas.
A indiferença tem formado uma rede forte e totalmente
omissa. Este talvez seja o maior problema de todos: O fato de mesmo vendo não
se importar. Ou até se importar e reclamar com uma amiga, mas nada fazer. Ou
esperar que alguém morra para se posicionar, como estão aparecendo agora, após
a morte do Bernardo, testemunhas e mais testemunhas que outrora se calaram.
O Juiz de Direito Orlando Faccini Neto hoje publicou um artigo intitulado “A indiferença e o caso de Três Passos” fiquei muito feliz ao lê-lo. Finalmente alguém vê a indiferença como o foco do problema.
E termino este texto com a frase usada pelo Juiz Orlando no final de seu artigo: Ao saber da morte de sua mãe, Mersault, personagem d´O Estrageiro, de Camus, sentiu nada, e assim demonstrou inequivocamente a sua indiferença. Mas ainda chamou-a de mãe.
A
foto e as datas mencionadas neste texto foram detectadas junto à revista Veja
edição 2379- Ano 47.