MALÉVOLA E O
UNIVERSO FEMININO FERIDO
(Este texto contém spoilers)
“I know you, I walked with you once upon a dream
I know you
The gleam in your eyes is so familiar, a gleam
And I know it's true
That visions are seldom all they seem
But if I know you, I know what you'll do
You'll love me at once
The way you did once upon a dream”
I know you
The gleam in your eyes is so familiar, a gleam
And I know it's true
That visions are seldom all they seem
But if I know you, I know what you'll do
You'll love me at once
The way you did once upon a dream”
Once Upon a Dream
Link: http://www.vagalume.com.br/lana-del-rey/once-upon-a-dream.html#ixzz3SDH3k3qm
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Suely Pavan Zanella
“A mesma mulher que acende velas para o teu
anjo da guarda, fará o mesmo para o diabo, se você, por qualquer razão, a
ferir”, dizia com sabedoria o falecido cantor Wando.
Nunca
ninguém explicou direito por qual razão Malévola era tão fria e má no desenho
animado A Bela Adormecida de Walt Disney de 1959. De onde vinha tanta malvadeza
e desejo de vingança? Será que algumas mulheres já nascem ruins e perigosas?
Porém,
a roteirista Linda Woolverton, deu vida, com maestria, à personagem Malévola, e
a estória é contada do ponto de vista de Aurora (a Bela) já idosa.
O
filme logo no início já mostra a divisão entre o reino do feminino constituído
pelas fadas, a natureza e as relações pacíficas entre os seres, e o patriarcal,
ou humano, em que só aparecem homens desejosos por conquistar o reino das fadas
a qualquer preço. Em todas as pesquisas que fiz e faço sobre o Universo
Feminino desde 2001 o patriarcado foi sempre retratado como o conquistador de
terras, mesmo quando o sangue é derramado e o matriarcado como aquele que
contém de diferentes formas a natureza e principalmente a harmonia. O filme
também mostra que no reino que chamarei aqui de feminino há figuras
aparentemente feias, mas que estão incluídas no reino. O que corrobora também
com as minhas pesquisas em que a liderança feminina, por exemplo, é aquela que
harmoniza o feio e o belo, o rico e o pobre, enfim, as diferenças. Muito
diferente, portanto, dos termos encontrados por Joseph Rost (Leadership for the Twenty-First Century-1991)
em uma pesquisa sobre liderança em que
analisou 221 definições em livros, capítulos de livros, revistas e jornais
entre 1900 e 1990 encontrando como recorrentes os seguintes termos: racional;
gestão; masculina; quantitativa; hierárquica; pragmática e materialista.
Apesar das minhas pesquisas demonstrarem as
diferença conceitual e prática na forma
de liderar entre o universo feminino e masculino, fiquei surpresa ao vê-las tão
bem retratadas em um filme. Assunto, infelizmente, que pouca gente dá crédito
ou valor.
Malévola a líder do reino feminino é ao mesmo tempo
uma vilã e também aquela que salva e protege, o que mostra a dualidade
principal do universo feminino. Há dentro de uma mulher conectada com seu
universo feminino várias e diferentes mulheres.
Mas, quem enxerga, só vê duas a princípio.
Agora, o que acontece com uma mulher enganada por
seu amor verdadeiro (aparentemente) quando este lhe corta as asas?
Ela esfria e fica com raiva, muita raiva, e busca a
princípio se vingar.
Não é isso que acontece com as mulheres feridas por
um amor em que elas confiavam?
O universo feminino ferido normalmente encontra
duas formas para lidar com a falta de liberdade (cortar as asas) e a traição
dos seus sentimentos: O adoecimento ou a ira (a loucura inicial de
Malévola).
Neste texto abordarei apenas, em função do filme, o
aspecto ira.
Malévola ao ver-se traída pelo ganancioso Stefan,
que queria a qualquer preço tornar-se o rei dos humanos, lança no dia do
batizado de sua filha Aurora uma maldição: Ao completar 16 anos a menina espetaria
o dedo no fuso de um tear, e cairia em sono eterno. E só seria desperta através
de um beijo de amor verdadeiro (coisa que Malévola não acreditava existir).
O pai temeroso pela morte da filha manda que todas
as rocas sejam destruídas, e que a menina seja cuidada pelas três fadinhas.
As três fadas, porém mostram-se totalmente
despreparadas para cuidar de uma criança. E é Malévola que sempre à sombra
a acompanha, e apesar de odiá-la (é o
que diz) lhe protege.
Durante os dezesseis anos o rei tenta sem sucesso
acabar com Malévola. Quanto mais ele tenta, mais ela se protege e se cerca de
árvores espinhosas. A escuridão em que Malévola se circunda me fez lembrar o
mito grego de Deméter que ao ter a filha Perséfone sequestrada de tanto chorar
por esta perda deixou árida a terra, e todos ficaram sem alimentos. Deméter só
começou a melhorar quando encontrou Baubo( deusa suja da mitologia grega,
ligada a obscenidade, à alegria e a sexualidade), que lhe deu vinho e lhe
contou piadas sujas que fizeram com que Deméter risse e encontrasse uma forma
de encontrar a filha sequestrada.
Ao completar 16 anos, porém, Aurora resolve ir
morar no reino de Malévola, que tanto admirava. Ao tomar esta decisão precisa
comunicar o fato às três fadinhas que cuidaram dela, e é aí que descobre que
tem um pai e ele é o rei, e também fica sabendo da maldição traçada por
Malévola contra ela no dia de seu batizado.
Aurora volta para o castelo do pai, e este a tranca
em seu quarto, mesmo assim, ela ainda está sob a mira do feitiço de Malévola e
hipnotizada espeta o próprio dedo no tear, e cai em sono eterno.
Malévola desesperada vai atrás de Aurora e leva
junto o príncipe que a garota conhecerá na floresta. Diaval, o fiel seguidor de Malévola, o corvo
que ela transformou em homem quando o viu em risco mortal, acredita que o amor
e o beijo do príncipe possam salvar Aurora da morte. Mas, o príncipe beija
Aurora e nada acontece, provando que a paixão nada tem a ver com o amor
verdadeiro. Malévola mostra todo o seu arrependimento pelo mal que causou a
Aurora e lhe beija a testa com carinho. Aurora acorda de seu sono profundo. Só
o amor verdadeiro é a luz capaz de tirar qualquer um, principalmente uma mulher
ferida, de sua própria escuridão. O amor verdadeiro, como mostra o filme e
também a vida, é um sentimento complexo que nem sempre está presente no amor
romântico entre um homem e uma mulher. Na versão do desenho A Bela e a Fera,
como na maioria das princesas da Disney e filmes americanos, sempre é o
príncipe ou um homem forte e salvador que tira do perigo a indefesa princesa ou
mulher desnorteada através de um beijo.
É importante ressaltar que o beijo que Malévola dá
em Aurora está coberto de lágrimas, e que elas sempre são um símbolo de
arrependimento verdadeiro, compaixão, ou seja, amor pelo outro. Quem ama
verdadeiramente se compadece e sabe o dano que traz ao ser amado.
O amor verdadeiro é a claridade necessária que faz
diminuir as dores e aplacar o medo. Crianças que não se sentem amadas, por
exemplo, sofrem de pavores noturnos, que só são aplacados através do amor real.
O amor verdadeiro cura feridas, enquanto o falso só as aumenta. E é assim, só
assim, que o feminino ferido se cura!
O amor entre Malévola e Aurora era tão grande que é
a última que devolve as asas à primeira. Através deste ato Malévola é capaz de
lidar e exterminar seu maior algoz: O rei Stefan.
Aurora é proclamada por Malévola como a rainha dos
reinos das fadas e dos humanos, unificando-os. E assim, sem guerras ou
tristeza, a harmonia se faz. E é também desta forma que o Universo Feminino em
sua essência funciona.
Filme belíssimo!