Drogas
e a Ausência da Figura Paterna
Suely Pavan Zanella
Na sala do Nar-Anon (grupo de parentes e amigos de adictos
destinado a ajudar-se mutuamente) adentram diferentes tipos de mulheres, elas
são mães, esposas ou amigas preocupadas com seus familiares usuários de drogas.
Raramente se vê um pai, participando destas reuniões. Esta foi uma das
conclusões que cheguei quando pesquisava o comportamento de usuários de drogas
para uma entidade internacional. Embora os usuários tivessem pai e mãe,
raramente o primeiro participava das reuniões. A maioria das mulheres que
frequentava estes grupos, na época da pesquisa, era divorciada ou solteira.
Algumas, inclusive, à primeira melhora no uso de drogas por parte do filho
queria lhe dar algum tipo de presente, tal como um celular, que na época tinha
um grande valor.
Muitas tinham que esconder roupas e objetos em carros
para que os filhos não os vendessem em troca de drogas. Outras mantinham
porteiros de prédio antenados para que seus filhos não entrassem em seus
apartamentos depois de dias ausentes de casa usando drogas. Todas tinham uma
expressão cansada e preocupada, apesar da ajuda imensurável deste tipo de
grupo, que recomendo como psicóloga.
À época pensei e conclui em meu relatório que a figura
paterna é de fundamental importância para a criação dos filhos, como, aliás,
bem disse meu supervisor de estágio na época da faculdade, Gilberto Safra,
quando nós alunos lhe perguntamos como fazer se uma mulher fosse viúva, por
exemplo, como lidar com a “figura paterna”. Gilberto respondeu algo que nunca
mais esqueci: O pai é aquele que mora no coração da mãe!
Pais em termos psicológicos são importantes, como bem
dimensionou Freud que cito num texto que escrevi em 09/09/2009 intitulado
“Filhos da Mãe” (http://batepapodemulher.blogspot.com.br/search?q=Filhos+da+M%C3%A3e)
. Com este texto recebi uma crítica dilacerante de uma entidade de proteção a
menores do Distrito Federal, dizendo que hoje as mulheres têm o direito de
terem filhos sozinhas. Crítica típica de quem não entendeu metade do que eu
escrevi.
Hoje, porém, para a minha feliz surpresa recebi através
de um grupo chamado Alienação Parental no Facebook uma matéria do Jornal da
Unicamp sobre a dissertação de mestrado do médico psiquiatra e psicanalista Miguel
Gadbem. Marcos tem 10 anos de experiência em atendimento a drogadictos.
Resalto aqui alguns pontos interessantes da matéria que
se chama “Ausência da Figura Paterna leva ao Consumo Abusivo de Drogas” (http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/ju262pag11.pdf):
- · Os usuários compulsivos de drogas não possuem desenvolvida capacidade para pensar de forma simbólica, consequência da ausência de alguém que exercesse adequadamente a função paterna na sua formação. Esta limitação à simbolização, que os impede de sentir o outro na falta deste, estaria na origem de um comportamento onipotente, que inclui, entre suas formas de manifestação, o consumo abusivo de substâncias psicoativas licitas (álcool) e ilícitas (maconha, cocaína etc)...
- · ... De acordo com ele, os usuários de drogas são, em geral, filhos de pais mortos, separados, incapacitados ou igualmente dependentes de drogas. Muitos foram criados por avós ou parentes, não conheceram os pais ou são adotivos. “Normalmente, a ausência de alguém que exercesse a função paterna coincide com a ausência do próprio pai...
- · ...o problema do usuário compulsivo não é a droga em si, mas sim a falta de identidade, que o impede de ser consequente, amadurecer e desenvolver vínculos afetivos e relações sólidas....
- ...”Essas pessoas se negam a amadurecer. Elas vivem prisioneiras num mundo onde impera o prazer; um mundo onírico”....
- ... Entre essas medidas defensivas, aponta o psiquiatra, está o comportamento onipotente, cujas características são: agir sem pensar e não tolerar a frustração entre outras. “Desse modo, a identidade dos usuários compulsivos de drogas funcionaria como as muralhas de uma fortaleza, prontas a defender quem ali habita. Mostram-se altas e imponentes, mas escondem seres frágeis e inseguros, que de outro modo não poderiam sobreviver, quiça· desenvolverem-se na busca de sua independência pessoal”
- ...O uso de drogas È um ato ritualístico. A experiência da repetição protege o drogadicto do contato com o novo, com o angustiante...
- ...´”E preciso intervir no ritual, impor limites, estabelecer regras.”...
- “O problema das drogas é serio, mas não pode continuar sendo encarado apenas sob um ponto de vista único. Não basta olhar somente para as drogas, para os traficantes ou para a questão da descriminalização, é preciso que nos voltemos para a pessoa do drogadicto”.
- A sociedade atual, narcisista, promoveu a desvalorização da figura paterna. A chamada produção independente, rotineiramente abordada nas novelas da televisão, é um exemplo dessa situação. “Penso que temos que resgatar a figura do pai. Ela é fundamental para a formação dos filhos”.
Depois de ler a íntegra desta matéria penso que não é só a figura
do pai físico que é importante, mas e principalmente, o seu significado quando
o pai é vivo ou convive com a criança ou adolescente. Um pai ausente também se
caracteriza por frouxidão, permissividade em excesso, e falta de autoridade.
Autoridade que o jovem só percebe quando se depara com policiais, por exemplo.
Complemento que nossa sociedade além de narcísica como diz o
psiquiatra tende a negar a figura paterna e desqualificar a masculina em muitos
momentos. Vive-se hoje a supremacia do feminino fálico.
Embora eu seja leitora ávida de dissertações de mestrado e teses
de doutorado raras são aquelas que trazem um elemento novo e focado em dados da
realidade como esta. Dissertações e teses sempre me parecem uma repetição de
algo que alguém já fez ou disse. Esta traz à tona um elemento essencial que é a
figura paterna.
É uma pena, porém, que algo tão importante tenha sido tenha sido
tão pouco divulgado. Veja que a matéria é datada de 2004. A dissertação deve
dar elementos a juízes no caso de alienação parental, bem como ditames
importantes para tratamento de usuários de drogas. Não há como deixar a figura
do pai à mercê do acaso, ela faz parte da história daqueles que se afundam nas
drogas bem como na criminalidade.