terça-feira, 21 de julho de 2015

O QUE DÓI É O NUNCA MAIS!



O QUE DÓI É O NUNCA MAIS!

“Quando a gente tenta de toda a maneira dele se guardar, sentimento ilhado, morto,e amordaçado volta a incomodar”
Fagner

Suely Pavan Zanella

Estão querendo patologizar o luto. Torná-lo mais curto, e menos dolorido. E desta forma fazer com que a pessoa enlutada possa encarar a vida prática com mais rapidez. “Seguir em frente” parece ser o lema atual, como se fossemos máquinas dispostas a fazer sempre o nosso trabalho, e como se a perda do outro, fosse a perda de uma peça dentro de uma engrenagem fabril. Não, não é assim!
O luto é um processo necessário, não tem duração definida, é preciso sentir a dor da perda do outro, e lembrar que só o tempo, apenas ele, trará a resignação para seguir em frente.  A dor não vivida pelo luto, em função da morte de alguém querido, é muito diferente dos diferentes lutos que vivemos na vida. E olha que na vida temos vários lutos: nossa infância, juventude, trabalhos e amores.  
A dor do luto na morte, porém é diferente, ela representa a ausência física e real do outro. É a dor do nunca mais. Nunca mais o teremos sentado à mesa nos jantares familiares. Colocaremos por distração às vezes, um prato a mais, e só depois lembraremos que a pessoa amada não está mais lá. Nunca mais ouviremos sua risada estridente ou seu silencio fugaz. Nunca mais ouviremos sua voz única, com aquele timbre e jeito de falar que só ela na Terra tem, ou tinha. Nunca mais veremos seu jeito de ficar irritada, ou tímida. Nunca mais ouviremos os passos peculiares no momento que chegava, partia ou perambulava pela casa.
O nunca mais é o que dói. Não há como superar este vazio rapidamente, nem ser forte, como muito insistem em dizer no momento das condolências. Aliás, não há muito o que dizer nestes momentos tão difíceis. Toda a tentativa de aplacar a dor alheia é em vão. Talvez o caminho, seja o abraço sincero, aquele que nos lembra de que ainda estamos vivos e entrelaçados de alguma forma pela humanidade do outro, que sente dor, e sabe que perder alguém não é fácil ao menos para quem é humano e não segue a ditadura da felicidade constante recheada de sorrisos plásticos, olhos tristes, tristezas acumuladas e depressão como consequência e mola motriz.
Não há pressa. Chore quando precisar e quiser. Não interrompa a sua dor. Lutos foram feitos para serem vividos, e nós os humanos, mesmo quando espiritualizados, precisamos vive-los. E cada um neste processo tem o seu tempo e sua forma de encarar esta dor, sendo que o pior caminho é tentar fugir dela ou encurtá-la. E as dores sempre doem. Deixe-as doer a seu tempo. Ser forte não é engolir dores, e sim lembrar-se que elas fazem parte dos seres humanos. Um dia com delicadeza e auto respeito a dor perde espaço na vida e fica apenas a saudade, marca indelével daqueles que cultivam suas cicatrizes como belas tatuagens.   
Ontem perdi minha prima. A saudade dói e muito. A morte prematura e repentina de alguém por si só é assustadora. Sábado ela estava viva e hoje não está mais. Se foi. Como assim? Um misto de sentimentos me possui: raiva; tristeza; saudade; medo da temporalidade da vida, que todos sabemos existir racionalmente, mas que quando nos afeta dói profundamente.
Do sábado para o domingo enquanto ela ainda estava em estado muito grave no hospital eu não conseguia parar de pensar nela. Não conseguia dormir. Lembrei-me dos momentos alegres. Só eles preenchiam minha cabeça e coração. Do baile de carnaval que formos juntas com seu então namorado inseparável,  e que depois se tornou seu marido. Das fantasias que ela usava quando jovem, dos vestidos curtos e das pernas bronzeadas. Do sorriso largo que lhe preenchia o olhar.  Do seu jeito alegre de contar os fatos, que um dia em minha casa de tanto chorar de rir fiquei sem ar e com o rosto todo borrado de rímel. De sua voz forte e firme de professora. Que falta ela fará, e já faz!
Nossa convivência não era diária e nem constante. A vida se encarrega de fazer que com o tempo e a maturidade cada um de nós, unidos na infância, cuidem de suas vidas e novas famílias na maturidade e sigam diferentes caminhos. Mas este fato não significa rompimento dos laços de afeto de outrora.  
Ela fará falta, muita falta.   Não há como negar e muito menos deixar de sentir.

“...Um menino caminha e caminhando chega no muro
E ali logo em frente, a esperar pela gente, o futuro está.
E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar,
Não tem tempo nem piedade, nem tem hora de chegar.
Sem pedir licença muda nossa vida, depois convida a rir ou chorar.
 Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá.
O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar.
Vamos todos numa linda passarela
De uma aquarela que um dia, enfim, descolorirá...”
Toquinho

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