Suely Pavan (*)
Ela segura a mão do filho, porém o deixa do lado de fora da calçada brincando nas guias. Os carros desviam do menino e a mãe finge não ver. Ele corre o risco de ser atropelado, ninguém que passa também parece se importar com o comportamento da mãe. Em outro caso uma criança é atropelada numa curva perigosa de São Paulo. Ela estava sozinha. Ao vê-la morta estendida no chão, a mãe grita e culpa o motorista. Como uma criança de dois anos é deixada sozinha numa curva daquelas?
O pai segue para o trabalho e “esquece” o filho de um ano preso à cadeirinha do carro. O bebê morre asfixiado naquele dia de verão na cidade de São Paulo. Agenda lotada, excesso de compromissos e muito trabalho, são as explicações usadas por ele para justificar o “esquecimento”.
Outra mulher joga o filho no lixo por engano, ela diz que não sabia que estava grávida. Nenhum repórter na TV tem a capacidade de lhe perguntar: Sentiu enjôos? Tinha menstruação? Manteve relações sexuais e não sabia que corria o risco de engravidar?
Resumidamente pode-se dizer que o filicídio é o assassinato dos próprios filhos. No Brasil, em termos legais, há uma divisão entre infanticídio e filicídio, porém não é meu objetivo explorar este aspecto aqui.
Através dos exemplos fictícios citados acima (em itálico) minha intenção é chamar a atenção para o filicídio latente, ou seja, aquele que é realizado de forma inconsciente. Hoje vemos que muitos pais estão despreparados para o exercício papel, são “rascunhos de pais” e não se importam muito com o bem estar de seus filhos, chegando a rejeitar os seus rebentos de forma intensa, porém, não confessa. Os casos de mal trato, abandono de crianças e adolescentes, são inúmeros e figuram diariamente nas manchetes dos jornais. Não há como negar o problema do filicídio latente, embora pouco se fale ou discuta sobre ele. Há ainda uma ilusão na mente na maioria das pessoas: Os pais sempre gostam e tratam bem os seus filhos. Nem todas as pessoas querem ter filhos, nem todas gostam de crianças, e principalmente nem todos tem estrutura mental (saúde mental) para se dedicar à educação e cuidados de uma criança requer. Filhos são compromissos eternos, sejam eles planejados ou não.
Muita gente se ilude e diz que filhos planejados são mais bem tratados, ledo engano. Há vários casos de crianças que ficam abandonadas diariamente à mercê de babás, escolas, TV e internet. São mal tratadas pelos pais da mesma forma que aqueles que vemos diariamente abandonadas às ruas.
Os filicidas latentes provocam situações de risco à vida de seus filhos: Não tomam cuidado algum quando os mesmo estão nas ruas; esquecem a rotina da alimentação de crianças e adolescentes; freqüentam bares e locais inadequados para crianças; não se dedicam às crianças, pois as mesmas atrapalham suas atividades e lazer; tem relações sexuais de forma irresponsável e sem preocupar-se com a possibilidade de gerar um filho; enfim, não tem a estrutura psicológica necessária para dar conta da demanda gerada pela criação de um filho.
Problemas com drogas, álcool, psicopatológicos, falta de estrutura familiar e psicológica apenas agravam o filicídio não intencional (latente).
Infelizmente a polícia não está preparada para lidar com casos muito comuns deste tipo, e só constata os mesmos quando os filicidas tornam-se manifestos, ou seja, quando cometem de fato o ato de homicídio contra seus próprios filhos.
Como a maioria das demandas da saúde física e mental, os casos de filicidas latentes se resolvem com prevenção e a atenção por parte da sociedade em geral. Filicidas latentes estão em todos os lados, você cruza diariamente com eles. Ao encontrar um filicida lembre-se que uma criança ou adolescentes corre risco mortal. Exija também que as autoridades policiais contratem psicólogos e psiquiatras consultores que os ajudem a identificar os sinais filicidas. Se hoje há tantos casos de crianças e adolescentes mortos pelos próprios pais é porque houve uma grave falha social, policial e de saúde pública.
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