ABUSO
SEXUAL
Suely
Pavan Zanella (*)
Falar
sobre o assunto na idade adulta é uma das dificuldades dos pacientes (clientes)
que foram vítimas na infância ou adolescência de abuso sexual, mesmo no
contexto protegido do consultório psicoterápico.
Há
muita vergonha em revelar o fato. E muitas vezes o paciente nem sequer se
lembra do mesmo. De tão traumático, ele permanece aparentemente calado no
inconsciente.
O
motivo da busca de uma psicoterapia também não é o abuso em si. Normalmente o
cliente adulto busca a psicoterapia em função de problemas de relacionamento ou
dificuldades sexuais.
Através do processo psicoterápico quando
consciente do que lhe ocorreu na infância ou adolescência, a pessoa pode
acreditar que foi a culpada pelo ocorrido, e desta forma identificar-se com o
papel de algoz e não de vítima. Já que acredita que foi ela que provocou o
abuso. E exime desta forma, seu agressor de qualquer responsabilidade.
Com o
passar do processo é importante que o cliente, através de técnicas específicas
e fundamentas cientificamente, passe pela raiva. Raiva de seu algoz, raiva do
abandono vivido, já que os pais não a protegeram como deveriam. Passar pela
raiva é fundamental para rematrizar a situação e poder viver de outra forma.
Óbvio
que cada caso é um caso, e aqui apenas relato aquilo que é mais comum de
acontecer. Em consultórios psicológicos nada ocorre de forma linear e não basta
um manual explicativo para tratar um cliente. Cada um tem sua história e uma
forma peculiar de lidar com o abuso assim como qualquer situação.
Pela
minha experiência quando o cliente sente raiva, ele de certa forma sai do papel
de culpado e gerador do abuso, entra no de vítima real (não de vitimização) e
desta forma e com muita tristeza consegue enxergar o que aconteceu. Ele se
perdoa, e sem o peso da culpa consegue estabelecer relacionamentos mais
saudáveis. Ao invés de seu tornar um autoboicotador da própria vida.
Faço
um aparte sobre a vitimização, já que ela é diferente de ser vítima real de
qualquer situação na vida, seja um abuso, um sequestro, ou qualquer situação
traumática. Na vitimização a pessoa obtém benefícios sobre a situação em si. Ao
invés de buscar resolvê-la ela busca a pena ou o apoio dos demais de forma a
justificar a sua situação atual. E claro, no vínculo doentio há sempre complementares
dispostos a não tirá-la da situação. É o caso típico de pessoas que dizem aos
amigos ou colegas de trabalho: Sou assim, porque meu pai era ruim ou sou assim
porque não me sentia amado na infância. Nestes casos a pessoa não busca ajuda,
já que obtém benefícios (afeto, dinheiro, e atenção) dos demais co-dependentes
que apenas mantém a situação e em nada ajudam a pessoa que se vitimiza.
Lembro-me
de um caso que ocorreu comigo há muitos anos. Eu trabalhava numa grande empresa
e tinha uma assistente, que eu havia herdado já que ela entrará na empresa
antes de mim.
Ela
era uma moça muito bonita, mas que andava na empresa se rastejando como uma
velha. No departamento e acredito que até na empresa todos sabiam que ela havia
sido estruprada. O fruto deste estupro
foi um casal de gêmeos.
O
desempenho dela no trabalho comigo era péssimo: chegava atrasada, andava mal
arrumada, e não fazia o que tinha que fazer direito.
E
sempre que chegava atrasada vinha com uma série de desculpas: A empregada não
veio; o ônibus não passou; minha gastrite me mata....
E
volta e meia no meio de qualquer conversa ela repetia a história do estupro. O
que era particular, tornou-se público já que ela obtinha atenção toda a vez que
falava no assunto.
Um
dia, nunca esquecerei, ela chegou e começou a falar sobre o seu calvário
matutino, só que ela me pegou sem paciência e literamente de “ovo virado”.
Parei o que estava concentradamente fazendo e disse: “Eu não aguento mais você,
estou cansada de todo o dia você vir com este papo, não tenho culpa se você foi
estuprada e muito menos que tem dois filhos para criar. Vá a um médico para se
curar da gastrite. Você é bonita, loira, linda de olhos verdes, e se rasteja na
empresa como se tivesse 90 anos. Não tenho pena de você!”
Minha
voz proferiu estas palavras num tom alto. Ela só me olhou e nada disse e
começou a fazer o seu trabalho.
Confesso
que logo depois me senti assustada com a minha própria reação de raiva.
Porém,
após este dia esta moça mudou. No dia seguinte ela chegou no horário e estava
maquiada. Meses depois ela me contou muito feliz, que havia conhecido um rapaz.
Namoram e se casaram e foram morar numa fazenda fora de São Paulo, que ele era
proprietário.
Apesar
do meu arrependimento quanto à forma que falei com ela, nunca me arrependi do
que eu disse.
Depois
deste dia descobri algo fundamental em qualquer relação, seja ela de amizade,
parentesco ou profissional: Entender é uma coisa, compactuar com a vitimização
do outro, é bem diferente. Entender é dizer ao amigo ou amiga ou a um
funcionário: Vá procurar ajuda especializada, você precisa!
Compactuar
e dar uma de bonzinho é fazer com que o outro não mude e não melhore, e
necessite ad eternum dos nossos
cuidados. Em situações assim ninguém muda, e muito menos cresce.
Portanto,
se você foi vítima de abuso sexual ou de qualquer outra forma de abuso, busque
ajuda de uma profissional especializado, um psicólogo ou psiquiatra.
Se
tem uma amigo, parente ou funcionário nesta situação incentive-o(a) a buscar
ajuda a qualquer tempo. E na complemente vitimizações. Não importa se o abuso
aconteceu quando a pessoa tinha oito anos e hoje ela tem sessenta. O que
importa é que uma única vida, e nela podemos melhorar e ser melhor para os
outros também.
No
dia 18 de maio foi comemorado o dia contra a exploração sexual de crianças e
adolescentes. Se você conhece alguém nesta situação não se omita e disque 100.
Ajudar é isto!
(*)
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autoria e a forma de contato: suely@pavandesenvolvimento.com.br