A
REPARAÇÃO DE CARMINHA
Suely Pavan Zanella
Lendo
os twittes de algumas pessoas enquanto assistia ao último capítulo da novela
Avenida Brasil, percebi que parte delas odiou literalmente o final de Carminha.
Alguns acharam que ele ficou “água com açúcar” demais, e que a personagem mudou
de personalidade. Outros queriam que ela se “ferrasse”, morresse ou se desse
bem em outro país, finais que já vimos dezenas de vezes em outras novelas.
A
maioria, felizmente, achou o final de Carminha plausível e sua redenção possível.
Para
me apoiar neste texto usarei o belo conceito de “Reparação”, da psicanalista austríaca
Melaine Klein que está no livro “Amor, Culpa e Reparação”.
Sem
sentir-se culpado não há reparação. E quando aparece a culpa de Carminha?
Justamente quando ela se depara com seu maior algoz: Seu pai. Ele sim, um
verdadeiro psicopata, ou seja, Santiago não sente culpa alguma de seus atos.
Embora
a novela não deixe explícito subentende-se que Carminha tenha sido vítima de
abuso sexual na infância, e não é à toa que rejeitou a filha logo em seu
nascimento. Afinal Ágata, a menina era o seu espelho. Imagem feminina que ela
não queria olhar. E não é à toa também que Carminha fosse tão sexualizada, e
obtivesse aquilo que queria dos homens usando-os descaradamente. As vítimas de
assédio costumam usar a sexualidade para punir os homens, usam e abusam deles e
depois os jogam fora. Reproduzem aquilo que Santiago provavelmente fez com ela.
Obviamente Carminha não foi tratada, não fez psicoterapia e deste modo repetiu
o seu “modus operandi”.
Ela
só constata e se defronta com a própria dor quando o seu pai verdadeiro, aquele
que só ela conhecia, aparece. Este pai havia matado o seu ideal feminino: a
mãe.
A novela
mostrou em seus capítulos finais que a maior vilã da teledramaturgia brasileira
sofreu e sofreu muito. Particularmente já esperava por esta redenção, ou
reparação, e ficaria surpresa se a mesma não acontecesse. Uma das possibilidades
psicologicamente menos possíveis seria ela aliar-se ao pai algoz, ou tentar passar
a perna nele. Veja que ela se sentia frágil em sua frente, quase não tinha
reação. Ela o temia, e só o enfrenta quando ele tenta matar Tufão e Nina. Como
se estivesse diante da realidade de dois mundos muito diferentes.
Como
escrevi antes é a culpa que traz a reparação, como podemos ler neste parágrafo(*):
...A
clínica kleiniana enfatiza, assim, a importância da passagem da posição
esquizo-paranóide, em que o medo de ser destruído leva a comportamentos
anti-sociais, para a posição depressiva, na qual o medo de destruir leva a
comportamentos reparatórios (éticos). Dessa forma, os objetivos da clínica
aliam-se a objetivos mais amplos, que incluem a adaptação à realidade (no
sentido de perceber a realidade de modo menos distorcido pelo sadismo) e o
desenvolvimento moral...
Somente
a reparação advinda da culpa pode permitir a redenção e a adaptação ao meio
social. Cabe ressaltar que em nenhum momento Carminha mudou características de
sua personalidade. Não ficou mansinha de repente, ao contrário, na cena em que
está na casa de mãe Lucinda e recebe a visita do neto, do filho e da nora, chama
de “velha” Lucinda, demora bastante para abraçar Nina, e ainda diz: Você sabe como
eu gosto do café.
Diferentemente
de outras novelas os personagens de Avenida Brasil era humanos e não eram
totalmente ruins ou bons. Se você se lembrar do capítulo final de Fina Estampa se
recordará que quando Griselda pergunta à vilâ por qual razão ela cometeu tantos
crimes, Tereza Cristina responde: Não sei! Muito diferente, portanto, de
Carminha, que até o momento da reparação não vê o que fez como crimes, mas
torna inteligível ao espectador a razão que a fazia ser daquele modo. Não estou
querendo com isto dizer que os fins justificam os meios, porém em termos psicológicos
é possível entender o seu comportamento.
Acredito até que a reparação de Carminha tenha começado no momento em que Max tenta estuprar Nina, fazendo-a recordar de seus próprios sentimentos quando era abusada pelo pai. Não é à toa que ela mesma o tenha matado.
Não
sei qual é a formação do autor, João Emanuel Carneiro, mas sei que ele entende
da psique humana. Sem reparação, este final não seria possível.
Embora
tenha desagradado a alguns, este final mostrou personagens mais humanos e reais.
Na vida é possível reparar erros, e também perdoá-los. Achar que quem erra e
repara o seu erro não merece perdão denota dureza e sentimento permanente de
vingança, não de justiça.
E
talvez a melhor frase que eu tenha lido no twitter diz algo assim: Errar é
humano e perdoar é DIVINO! (em alusão ao nome do bairro onde morava Tufão e ao
time com o mesmo nome).
Particularmente
adorei o final, ele foi crível e real.