sexta-feira, 5 de julho de 2013

CRÔNICA: A TOMADA DAS RUAS



CRÔNICA: A TOMADA DAS RUAS
Suely Pavan Zanella

O sol brilhava naquela quase tarde de domingo. Nos sentamos, os três, à mesa. Aquela mesa de sempre, a nossa preferida. Há uma década, depois da tomada das ruas, escolhemos nos sentar sempre nela. Era uma espécie de revolução particular. Hoje, diferentemente, de antes, podíamos degustar nosso almoço dominical sem medo.
O restaurante ficava no centro de São Paulo, e a nossa mesa, quase no meio da rua, na calçada. Dela víamos pessoas passeando com os filhos e com seus cachorros antes do almoço. Casais de mãos dadas passeavam tranquilamente. Não havia distinção social, e nem sequer nos preocupávamos com isto. O importante era o tom de tranquilidade tão duramente conquistado. 
Eu, meu marido e nossa filha Maria Clara de catorze anos, apenas nos deleitávamos observando os tranquilos passantes enquanto comíamos os deliciosos antepastos oferecidos pelo restaurante. Este momento tranquilo nos garantia energia para uma semana de trabalho e estudos.    
Contávamos, eu e meu marido, como era a cidade de São Paulo antes da tomada das ruas pelo povo, e a exigência de seus direitos. Ela ria e parecia não acreditar. Ela não conseguia ver no meio daquela paisagem tão tranquila e democrática que outrora as ruas da cidade haviam sido tomadas por bandidos. Não acreditava que as casas tinham muros altos, e que a população vivia com medo e cerceada em seus direitos mínimos de ir e vir. Para Maria Clara, era impossível acreditar que pessoas maltratassem e matassem outras por celulares, carros e outras “coisas”. Ela dizia:
- Mamãe, como assim? Coisas são apenas coisas. Estas pessoas de antes deviam roubar e matar para comer. Elas deviam ser muito pobres.
Maria Clara, às vezes, ingenuamente pensava tal como estudiosos do passado. Eles diziam que a pobreza era justificativa para roubos e furtos!
Felizmente, descobriu-se a tempo que o aumento de usuários de drogas na cidade foi responsável direto pelo aumento da violência no passado. Hoje, quem quer usar drogas e faz em centros específicos e sob orientação de médicos e psicólogos. O tráfico tão nocivo no passado, não existe mais. Hoje quem trabalhava para ele tem novas recolocações profissionais. Investiu-se alto em educação, mas também em repressão ao crime. Hoje o crime não compensa, pois se corre o risco de ficar a vida toda na cadeia. 
Em busca desta paz é que a população finalmente tomou as ruas, que antes eram tomadas pelos bandidos.
Respondi o seguinte à Maria Clara:
- Filha você sabia que a época mais violenta da cidade, na qual crimes bárbaros eram cometidos, foi justamente a mesma em que havia vários empregos, principalmente para a população mais pobre?
Maria Clara me olhou surpresa e disse:
- Nossa mãe! Então ser bandido compensava, era “bonito”, ou como você diz “glamouroso”?
- É isto mesmo, filhota!
Rimos muito desta observação dela enquanto víamos que nosso almoço chegava fumegante.

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