A
“CURA GAY” E A PERDA DE ESPAÇO DA PSICOLOGIA
Suely
Pavan Zanella
O
Projeto de Decreto Legislativo 234/11 do delegado de polícia, pastor auxiliar
da Assembleia de Deus e deputado do PSDB / GO (*) JOÃO CAMPOS DE ARAÚJO (foto)
e que foi apelidado, com razão, de “cura gay” já que pretende suprimir os
seguintes trechos da resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1/99 de 23
de Março de 1999:
“Art. 3° – os
psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de
comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente
a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.
Parágrafo único – Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
Art. 4° – Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.”
Parágrafo único – Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.
Art. 4° – Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.”
Em
primeiro lugar, como psicóloga, eu não entendo como um delegado de polícia pode
se meter na seara alheia!
Seria
o mesmo que alguém dizer que a Terra é quadrada, ou inventar uma doença
qualquer sem ser médico ou pesquisador da área.
Apesar
do absurdo total do projeto ele foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos
e Minorias da Câmara dos Deputados. E obviamente não será aprovado pela Comissão
de Constituição e Justiça da Casa antes de ser votado no Plenário.
Os
evangélicos ficaram incomodados pelo apelido de “cura gay” dado pela imprensa e
veementemente disseram que o objetivo do projeto não é este. Então qual é?
Na
minha atividade profissional como psicóloga tanto no âmbito organizacional como
psicoterápico presenciei por diversas vezes o sofrimento de homossexuais que
tentavam se enquadrar aos ditames da heterossexualidade principalmente no âmbito
empresarial. Como é sabido as empresas nem sempre aceitam homossexuais em seus
quadros, e quando o fazem algumas tornam sua sexualidade motivo de brincadeiras
e até exclusão. O preconceito ainda é grande, assim como o tão pouco estudado Comportamento
Sexual no Trabalho. Tanto que a minha empresa, a Pavan Desenvolvimento, faz
hoje uma pesquisa pioneira neste sentido: http://www.pavandesenvolvimento.com.br/pesquisa_comportamento_sexual_2013.aspx
Fica
muito claro, para aqueles que exercem a psicologia, que o tal projeto, além de
inconstitucional, também fere a dignidade humana. Se o psicólogo tem como
missão principal fazer o indivíduo encontrar-se a si mesmo, como poderia enquadrá-lo,
tentando curar aquilo que não é doença? Seria
o mesmo que um paciente chegar ao médico dizendo que tem câncer e após os
exames ser constatado que não o tem. O que faria o médico? Cederia aos ditames
do paciente ou o encaminharia para uma psicoterapia?
Nenhum
psicólogo deixará de atender homossexuais que busquem o serviço psicoterápico
ou o aconselhamento nas empresas. Mas tenho certeza de que poucos ou os apenas
ligados a movimentos religiosos transformarão gays em ex-gays. Não há cura gay
da mesma forma que não transformam negros em brancos e nem anões em pessoas
altas.
Infelizmente
no Brasil psicólogo a torto e a direito transformam-se em pastores, ou vice e
versa, e claro, confundem constantemente a população com suas abordagens.
Portanto, isto que vivenciamos agora já era mais do que esperado. Apesar da
pregação do Estado Laico, não é isto que percebemos em nosso cotidiano
brasileiro.
O
espaço do psicólogo ou da psicologia está tomado já faz muito tempo. Eu como
cidadã e também psicóloga já tentei contato escrevendo para o Conselho Federal
de Psicologia e ligando para o CRP de São Paulo, sem sucesso algum.
Vejo
pessoas há tempos se intitulando como “especialistas em pessoas” sem terem
estudado psicologia, a torto e a direito em palestras e na TV, e confesso que
ao procurar o meu conselho ou recebi respostas dúbias ou nenhuma resposta.
O
mesmo acontece com a enxurrada de ditos instrumentos de avaliação de
personalidade travestidos de instrumentos criados por consultorias utilizadas
amplamente pelas empresas brasileiras e que tem prejudicado milhares de
candidatos que não tem aonde recorrer, já que os testes psicológicos são
parametrizados pelo Conselho Federal de Psicologia, mas estes
pseudoinstrumentos científicos, não. A quem recorrer?
Se
o C.F.P. ocupa-se somente se o psicólogo não cumpre o seu Código de Ética, mas
não se preocupa se outros exercem a psicologia (mesmo não tendo este nome) apesar
de não serem psicólogos. Há várias práticas de atendimento semelhantes à
psicoterapia, principalmente de cunho esotérico e religioso, que tem tirado o
espaço profissional daqueles que dedicaram anos de suas vidas ao exercício
legal da psicologia.
Portanto,
não me causa estranheza que projetos sem pé e nem cabeça como este da cura gay
e do ato médico (leia à respeito) apareçam nos jornais. Não é de hoje que a psicologia
perde seu espaço, infelizmente.
Eu
mesma neste blog já escrevi sobre isto no texto PSICOLOGIA:
O QUE É, E O QUE NÃO É! Em uma tentativa de esclarecer à população quais são
os serviços de um psicólogo. Acredito que o C.F.P. devesse fazer o mesmo de
forma clara, e não apenas através de notas de repúdio.
O espaço do psicólogo também deveria estar
garantido, e qualquer um que suplantasse este espaço, a meu ver, deveria ser
punido por exercício ilegal da profissão. Afinal, é preciso esclarecer á
população e as empresas sobre os serviços profissionais dos psicólogos e os
testes psicológicos.
Sem esta garantia de espaço profissional não só o
psicólogo perde trabalho como a psicologia fica na seara de qualquer um que
diga que faz psicoterapia ou aplica instrumentos de aferição de competências de
personalidade para cargos. Assim como profissionais despreparados, mas
religiosos, poderão amplamente curar gays.
A autoajuda também e infelizmente tem substituído a
psicologia, recomendo a todos os adeptos deste tipo de literatura e também das palestras
motivacionais “adoradas” por empresas que querem a todo o custo aumentar de
forma maquiada a sua produtividade que assistam ao filme O Mestre. Apesar de
chato, ele é uma bela lição de pseudotécnicas de tratamento.
Já faz tempo que o espaço do psicólogo tem sido
ultrajado, sem que nada aconteça. Agora, é importante pensar por qual razão
isto é tão frequente e massivo quando se trata de psicologia?
Tenho certeza de que se fosse com os médicos, engenheiros
ou advogados isto não aconteceria.
(*)http://www.camara.gov.br/Internet/Deputado/dep_Detalhe.asp?id=520857
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