segunda-feira, 8 de outubro de 2012

SESSÃO DE TERAPIA (SÉRIE) É PSICOTERAPIA?



SESSÃO DE TERAPIA (SÉRIE) É PSICOTERAPIA?

Suely Pavan Zanella

Acabo de ler a matéria da Revista Cult com o autor da série “Sessão de Terapia” chamada “Falta espiritualidade na terapia”. Porém mais interessante do que a entrevista do autor, Hagai Levi, sobre sua série são os comentários dos leitores à respeito dela (Veja o link no final).

A série que agora passa no Brasil é uma franquia, ou seja, poucas modificações podem ser feitas, e todas elas tais como as aculturações ao realizadas apenas com a autorização do autor. 

 

Particularmente gosto da série, acho-a interessante, embora saiba que o que vemos na telinha é ficção e não corresponde ao que se passa no espaço sagrado das quatro paredes de um consultório psicoterápico. O psicoterapeuta parece com um psicanalista, ao menos com o estereótipo midiático do mesmo, embora todos saibam que um psicanalista atenda no mínimo três vezes por semana. De qualquer forma a série não deixa clara a linha seguida pelo psicólogo, sabe-se apenas que ele estudou psicologia, mais nada!

Quando me formei em psicologia em 1979, minha formação se deu em psicodinâmica, ou seja, minha base de leitura dos clientes (pacientes) era a psicanálise, Freud e Melaine Klein. Depois fiz a formação em Analise Transacional e Psicodrama. Não optei por ser psicanalista devido à verborragia excessiva, embora a leitura da sessão me agrade. Freud é Freud, e a base de tudo. Adoro ler Jung e gosto de integrar todos os meus conhecimentos ao atender meus clientes. 

 

Porém, falando em psicodramatês, acredito, e tenho quase certeza de que o terapeuta da série confunde seus papéis públicos com os privados. Não devido ao fato de atender as pessoas em casa. Fato que Lacan, por exemplo, o fazia, mesmo sendo psicanalista de carteirinha. Aliás, Lacan deixava o espaço da sala de estar de seu apartamento, como uma espécie de “sala de convivência” entre os seus pacientes, isto quando não atendia de portas abertas.

O que eu acredito é que o psicólogo da série confunda são suas questões pessoais com a de seus pacientes. Isto pode acontecer, é claro, mas é preciso estar antenado, ou como dizia Freud: “Utilizar-se da atenção flutuante.” Ou seja, prestar atenção a si mesmo e na reação que o cliente passa com o objetivo de distinguir o que é de si mesmo e o que é do outro.

 

Outro problema sério são os contratos. No dia em que o psicólogo vai buscar supervisão (será mesmo) não se sabe a que veio. Foi buscar ajuda de uma amiga? Foi fazer supervisão, e sim de que caso? Foram resolver mágoas do passado? Ou seja, os papéis ficam novamente misturados e contaminados, de ambos os lados.  

 

A “dureza verbal” também é uma marca registrada da série, tanto na figura do psicólogo como de sua supervisora (?), ou seja, uma terapia na base da “porrada”. E aí é interessante, pois já conheci muita gente, muita mesmo, que só gosta de fazer terapia e só respeita gente assim: “que fala verdades na dureza”. O afeto passa longe!

 

No documentário que assisti sobre a vida de Lacan na TV Cultura achei muito interessante os depoimentos de seus antigos pacientes. Todos sem exceção diziam que Lacan era uma pessoa gentilíssima, que te segurava com uma mão e te chacoalhava com a outra. Os clientes só aceitavam seus chacoalhões em função da sua extraordinária afetividade. 

 

Psicoterapeutas que só chacoalham e dão duras normalmente trabalham com uma vertente que considero particularmente perigosa: Eles retiram as defesas do cliente, e o deixam frágeis e confusos.  Nestes meus 33 anos de profissão, vi frequentemente pessoas que só dão valor a terapeutas deste naipe, infelizmente. 

 

Particularmente detestaria fazer psicoterapia com o psicólogo mostrado na série. E aí tanto faz a versão, na americana ( In treatment) os terapeutas se comportamento da mesma forma.   

A impressão que tenho é que ele se contém tanto, mais tanto, que vai explodir a qualquer momento. Não demonstra nenhuma forma de espontaneidade. Ele mal fala, e quando o faz demonstra insegurança, e usa aquele velho jargão do “me parece que”. 

 

O autor na entrevista diz que os temas mostrados na série são universais, não concordo. O que vemos hoje nos consultórios psicoterápicos são os dramas vividos no ambiente profissional, a solidão, a insegurança nos grandes centros e as relações afetivas entre pares, com os filhos, etc. 

 

De qualquer forma a série como ficção é excelente, e dificilmente alguém conseguiria reproduzir com veracidade, salvo se filmasse as sessões com a autorização do cliente, o que se passa num consultoria de psicoterapia. Mesmo com esta autorização acredito que os próprios psicoterapeutas sentiriam-se intimidados, pois teriam que lidar com a crítica feroz daqueles que não estão no lugar deles e não sabem, portanto, o que é melhor para o seu cliente naquele momento.

 

Para você entender com mais clareza a base deste texto sugiro que leia:

a)   A matéria da Revista Cult: http://revistacult.uol.com.br/home/2012/10/%E2%80%9Cfalta-espiritualidade-na-terapia%E2%80%9D-diz-hagai-levi/

b)   E assista o documentário Rendez vous avec Lacan (Encontro com Lacan), de Gerard Miller.

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