terça-feira, 28 de janeiro de 2014

NÂO SINTA, NÃO SE IMPORTE, NÃO AJUDE



NÂO SINTA, NÃO SE IMPORTE, NÃO AJUDE 

Suely Pavan Zanella
A maioria das doenças que as pessoas têm
São poemas presos
Abcessos, tumores, nódulos, pedras
São palavras calcificadas, poemas sem vazão
Mesmo cravos pretos, espinhas, cabelo encravado
Poderia um dia ter sido poema, mas não

Pessoas adoecem da razão
De gostar de palavra presa
Palavra boa é palavra líquida
Escorrendo em estado de lágrima

Lágrima é dor derretida
Dor endurecida é tumor
Lágrima é raiva derretida
Raiva endurecida é tumor
Lágrima é alegria derretida
Alegria endurecida é tumor
Lágrima é pessoa derretida
Pessoa endurecida é tumor
Tempo endurecido é tumor
Tempo derretido é poema

(Do livro Pensamento Chão, de Viviane Mosé,  Ed Record)

“Vou cuidar de mim”, “Isto não é problema meu”, “Não quero me envolver”, “Cada um que cuide de sua própria vida”, “Não vi”, “Não ouvi”, “Dane-se”... Esta e outras frases representam um cenário cada vez mais atual, obviamente elas dependem em boa parte do contexto em que são usadas. A frase “Vou cuidar de mim”, por exemplo, pode denotar autoestima boa, mas também um foco exagerado em si mesmo, do tipo: Danem-se os outros!
A verdade é que estas frases culminam em algo que está se tornando a cada dia mais comum em nossa sociedade: Não ajudo o meu próximo. Sim, o próximo! Muita gente tem facilidade em ajudar o distante, e até em abraçar uma causa. Querem salvar o mundo, mas pouco ajudam os seus familiares. Se a família ainda é a base de nossas vidas como descuidar deste lado?
O “Não ajudar o seu próximo” na verdade não passa de uma consequência que começa com o “Não sinto”. É algo mais ou menos assim:
Não sinto então não me importo, e, portanto, não ajudo.
Muita gente fica se armando de teorias e mais teorias para explicar este aparente egoísmo coletivo em que vivemos na atualidade. Como não ajudar alguém que precisa visivelmente de nossa ajuda? Como não se preocupar com um parente doente? Como não se entristecer com um filho ingrato ou inconsequente?
Quantas e quantas vezes nos deparamos com pessoas tristes e nem sequer percebemos? Colegas de trabalho, familiares, amigos. E muitas vezes um desconhecido é capaz de captar esta mensagem em nosso olhar, mas um familiar, por exemplo, mal a percebe.  Parece que a proximidade tem nos distanciado.
Esta distancia do próximo, começa unicamente com um ato: O não sentir.  
Há pessoas que de fato nada sentem, há até um nome técnico para isto, que agora não lembro. Há outros, que optaram por não sentir, usam um mecanismo de proteção para não sentir, não se abalar, e consequentemente não se importar. Pessoas assim, os negadores, sofrem de um mal comum: a dor. A dor mesmo que travestida um dia vem em doses letais bater à nossa porta. Negar o sentir, é sempre escolher a dor a longo prazo.
Quando pergunto a pacientes, clientes de coaching ou em cursos “O que você sente?”, a resposta que encontro na maioria dos casos é um sinônimo do pensar, quase nunca do sentir. É como se as pessoas ao longo dos anos e da modernidade tenham desaprendido a codificar o seu sentir como o fazem as crianças muito pequenas. Há também uma enorme racionalização do sentir. Hoje em dia tudo tem que ser prático, produtivo, e o sentir não está neste patamar. Porém, a decodificação fica algo semelhante com: Não leva ao sucesso, à produtividade, então não sinto. Até porque o ato de sentir pode levar à dor e à tristeza. Sentimentos que na época da ditadura da felicidade construída em mais e mais livros de autojuda é quase uma covardia. É como que disséssemos: Quem sente não passa de um fraco, é preciso ultrapassar, e ser a todo o tempo uma espécie de super homem ou super mulher. E não é à toa que a expressão “superação” se tornou tão comum.
Superar-se neste contexto é muitas vezes atropelar o sentir. Quando, ao contrário, entramos em contato com o nosso sentir verdadeiro, esta é a melhor forma de superar problemas, só que de forma também verdadeira.
Quem sente, se importa, e, portanto ajuda ao outro.
O sinal maior de que vivemos em uma sociedade doente tem como consequência aquilo que vemos todos os dias: gente que dirige um país, uma empresa, um carro ou sua casa, sem se importar com o outro. Quem não sente afeto, não se afeta com nada, pois não sente. E como somos afetados uns pelos outros, temos esta sensação de abandono ao vivenciarmos as cenas diárias. Como empurrar o outro para entrar no metrô? Como ficar na porta atrapalhando a passagem do outro no trem? Como dirigir embriagado sem se importar se vou provocar um acidente?
Alias, embriagar-se constantemente é uma maneira cada vez mais usada pelos jovens para não sentir. J.J.Tapia em seu livro sobre Análise Transacional dizia que o bêbado deveria andar com uma camiseta assim: Eu não sinto, portanto, não se importe comigo!
O grande problema do alcoólatra é o não querer sentir dor, prefere ficar embriagado. Quantos de nós mesmo não bebendo bebidas alcoólicas usamos os mesmos processos anestésicos?
Conclusão: Quem decodifica o que sente, se importa, e agindo desta forma consegue ajudar ao outro, seu próximo, seu igual.

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