CRIANÇAS
ABANDONADAS
Art. 4° - É
dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público
assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
João
Vitor, de 12 anos, e Igor, de 11 anos, [foto] em um abrigo em
Ribeirão Pires
Suely Pavan Zanella
Abandono,
no sentido psicológico, significa rejeição, desprezo e até pouco caso. Ou seja,
deixo de lado aquilo que não me serve ou interessa.
Um
adulto pode lidar bem com a rejeição ou sofrer a vida toda em função dela. Uma
criança, porém, pode a todo o custo repetir comportamentos não aceitáveis
apenas para ser rejeitada. A rejeição infantil é dolorida e não entendida. A
criança não tem a capacidade de elaboração de um adulto. E é nesta triste trama
que muitas crianças e adolescentes se perdem na vida.
O
menino Roberto tinha tudo para dar errado na vida: negro, interno da Febem e
usuário de drogas. Até o dia que conheceu a francesa
Margherit
Duvas, uma pedagoga que o levou para morar em sua casa.
Lá
morando, Roberto fez o que menciono aqui: Buscava a todo custo ser rejeitado
por ela, já que a vida o havia rejeitado várias e várias vezes. Numa das vezes
ele simplesmente abriu todas as torneiras da casa de Margherit. Quando ela
chegou, ao invés de dar-lhe uma bronca e rejeitá-lo, ela simplesmente o
abraçou.
Todo
mundo que trabalha ou já trabalhou com crianças abandonadas sabe que eles usam
de todos os tipos de expediente para você rejeitá-las. Na realidade as crianças
abandonadas se acham indignas de gestos de amor. E te provocam até que você
ceda e lhes rejeite. Mas, no caso de Roberto, a francesa não cedeu às suas
investidas. Afinal, ela era uma pedagoga e sabia que este comportamento
acontece na maioria dos casos.
Graças
a este amor incondicional de Margherit por Roberto, hoje ele é pedagogo formado
pela UFMG, pós graduado em literatura infantil pela PUC/MG e mestre em educação
pela UNICAMP. Também pai adotivo de vários meninos, contador de histórias e
fundador e diretor da Fundação Margherit Duvas.
Autor
do livro “A Arte de Construir Cidadãos - As 15 lições da Pedagogia do
Amor" que inspirou o filme, por sinal maravilhoso, chamado “O Contador de
Histórias”.
Infelizmente,
e todos sabemos disto, nem todas as histórias de crianças e adolescentes
rejeitados têm este desdobramento benéfico.
Bom
seria se eu pudesse ao ver uma criança pedindo esmolas no semáforo de São Paulo
levá-la para a minha casa como fez Margherit. Ou até contar com o apoio de
Conselhos Tutelares, Juizados Especiais e a Polícia para fazê-lo.
Ao menos
em São Paulo crianças são vistas por todos, inclusive policiais, membros dos
juizados, conselheiros, e políticos em faróis fazendo malabarismos, pedindo esmolas,
usando drogas, ou sendo aliciadas por maiores para o trabalho infantil. Mas
quem se importa?
A
cidade de São Paulo, no passado, já contou com um serviço digno neste campo.
Uma amiga trabalhava com crianças abandonadas na Sé (centro de São Paulo). Durante
o dia eles tinham atividades nas ruas e à noite iam para abrigos, para se
alimentar e dormir. As mudanças políticas acabaram com este projeto de cunho
social. Quando eu era pequena havia o juizado de menores, que recolhia toda e
qualquer criança e adolescente que estivesse nas ruas após as 22:00. Os menores
de 18 anos encontrados nas ruas eram levados às suas casas e os pais tomavam uma
“senhora chamada”, por permitirem que os seus filhos ficassem nas ruas até
tarde!
As
políticas foram mudando, e com elas o abandono se tornou cada vez maior.
Hoje
antes de escrever este texto pesquisei, além das leis, se havia ou não uma
preocupação sobre o que fazer quando nos deparamos com uma criança abandonadas
nas ruas.
O que
encontrei foram pessoas preocupadas, mas sem respostas. Os sites direcionados
ao tema não dão (nenhum deles) informações claras à respeito do assunto.
Há leis
e mais leis sobre menores, tais como a ECA (Estatuto da Criança e do
Adolescente) são todas genéricas, dizem os direitos, mas pouco claras sobre: O
que faço se eu vir nas ruas uma criança abandonada? E se perceber uma criança
em situação de risco, como por exemplo, junto a pessoas consumindo drogas?
Confesso
que já cheguei a ligar para estes lugares algumas vezes, e as respostas às
minhas dúvidas foram evasivas, e noutras eu é que tinha que provar que uma
criança estava em situação de risco, por exemplo.
No
Brasil as vítimas é que devem provar que estão em situação de risco, e não ao
contrário como na maioria dos países civilizados.
Mesmo
assim nem sempre há garantia de que a palavra da vítima seja ouvida com
atenção. Desde 2005 os irmãos Igor (12 anos) e João Vitor (13 anos) denunciavam
à polícia e ao Conselho Tutelar os maus tratos que recebiam da madrasta e do
pai. A tia dos meninos também fez denuncias. E as crianças ficaram um período
de mais ou menos oito meses um abrigo. Segundo
elas foi um período bastante calmo e feliz em suas vidas.
Porém,
no início de 2008 eles retornaram a sua casa em função do parecer de Edna
Aparecida Ribeiro Amante, funcionária do Conselho Tutelar que acompanhou desde o começo o drama dos irmãos.
Edna
entrou na delegacia em pouco mais de 10 minutos, ouviu por cinco minutos o que
tinham a dizer as vítimas e não precisou de um minuto para emitir o parecer.
Em
05 de setembro de 2008 João Vitor e Igor foram assassinados e esquartejados
pelo pai e madrasta. Seus corpos foram encontrados em diversos sacos de lixo,
pelos garis de Ribeirão Pires.
Quem
se lembra deles?
Qual
a qualificação e treinamento recebido por Conselheiros Tutelares e pessoas que
lidam com crianças vítimas de abandono, maus tratos e que estão em condições de
risco?
Enquanto
isto crianças sofrem e não podem ser legalmente adotadas.
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