MENINAS
BRIGUENTAS
Suely
Pavan Zanella
Quando
eu era pequena eram os meninos que adotavam um comportamento brigão. Não eram
todos, aliás, eram sempre os mesmos que estavam dispostos a não levar desaforo
pra casa e partiam para a briga. Mães eram chamadas pela diretoria da escola para
lidar com seus rebentos. Meninos brigões não eram bem vistos, e lembravam
aquelas gangues que víamos apenas nos filmes americanos repleto de brigas entre
adolescentes. Tanto nestes filmes, como na realidade as meninas eram apenas
coadjuvantes. Meninas, nesta época,
pareciam seres mais doces, e menos voltadas para encrencas.
Há
cerca de 10 anos conversando com o diretor da escola particular na qual meu
filho estudava ele me contou, bastante surpreso, que um novo comportamento despontava
entre as meninas: Elas estavam brigando feiamente. Brigavam por causa dos
meninos e estavam preferindo namorar com pequenos traficantes.
E ele,
o diretor, não sabia o que fazer. Sugeri que ele chamasse os pais. Ele me disse
que sempre que acontecia um episódio destes envolvendo meninas e também meninos
ele chamava os pais. E que eles ou não compareciam à escola, ou defendiam seus “filhinhos”
com unhas e dentes. O culpado era sempre aquela que era agredida, jamais, sua
filha, que segundo eles apenas respondia a uma agressão.
Faz
mais ou menos este tempo que as meninas começaram a se tornar bastante
agressivas. Batem boca, e brigam fisicamente se acharem que isto resolve. Não
foi apenas este comportamento que mudou, há uma série de outros que não cabe
comentar neste contexto. Mas quem trabalha com crianças e adolescentes diz que
mudou tudo: o que no passado era comportamento dos meninos hoje é delas,
inclusive as brigas.
Como
o Brasil não tem estatísticas e muito menos pesquisas acadêmicas à respeito,
não sei dizer a proporção deste aumento da agressividade das meninas em relação
aos meninos. Muitas escolas são omissas, e para não perderem clientes – alunos –
deixam de registrar e até de comentar estas agressões. Algumas aparecem apenas
nos dados das escolas públicas, dando a falsa impressão que nas particulares
este comportamento inexiste ou é menor. O que não deixa de ser uma grande mentira,
apenas para não se perder alunos. Afinal escola é um negócio, e quando o aluno
é tratado como cliente, comportamentos abusivos não são mencionados.
Tanto
meninas como jovens mulheres hoje são mais agressivas em todos os sentidos. E
numa sociedade permissiva como a nossa, onde tudo é justificado, onde a justiça
é lenta como uma tartaruga, comportamentos deste tipo tendem a piorar e
aumentar. Até que tenhamos um homicídio dentro da escola e este servirá de emblema
para uma campanha, ou qualquer outro tipo de alerta reativo, como sempre.
Há de
modo geral, e não apenas no comportamento das meninas uma tendência:Resolver as
coisas na base do grito ou da pancadaria. Parece que o ser humano está deixando
de lado uma característica humana: A conversa, e com ela a negociação de comportamentos.
Outra
coisa que noto são as explosões. A fulana aguenta ser chamada de gorda, ser
insultada porque não tem namorado, e um dia explode e parte para a pancadaria.
Não é assertiva. Não sabe colocar limites quando as pequenas agressões começam.
Li uma vez que limites se colocam com pequenos golpes de karatê verbais.
Mesmo
quando a menina sabe colocar limites há também uma tendência limítrofe, ou
seja, o outro ou os outros só sabem respeitar quando o limite se dá em forma de
gritos ou socos, ou ainda os famosos puxões de cabelo entre as meninas.
Trabalhei
como voluntária numa ONG fazendo um trabalho de sexualidade com adolescentes e
fiquem pasma ao ser cobrada a todo o momento por parte da dona do local de que
eu precisava gritar, já que todas as professoras gritavam com os alunos para
serem ouvidas.
Autoridade
na base do grito já é uma agressão. Agressão física para os alunos que têm seus
ouvidos afetados, e verbal, já que a comunicação não se estabelece por meio de
berros.
Em
minha visão de psicóloga experiente o que há é uma crise quase geral de
autoridade (pais, professores e estado).
Se
tenho que usar, por exemplo, o grito para poder me fazer respeitar em sala de
aula e se estabeleço este “modus operandi” junto ao alunos: Como me farei
respeitar pelos mesmos? E que tipo de educação estou transmitindo? Que preparo
têm os professores para lidar com estas novas demandas em sala de aula?
Nas
cenas que vi de agressões feitas por meninas em vídeos, em nenhuma delas
aparece um professor. Onde ele estava?
Até
que ponto o diretor da escola dá aporte para os professores, afinal ele é a autoridade
máxima dentro do ambiente escolar para prevenir brigas e incidentes piores? Ele
se omite para não perder alunos? Ele pune, suspende, toma alguma ação exemplar,
ou deixa para lá, e tenta tratar os jovens de hoje como os de antigamente?
E os
pais o que andam fazendo para lidar com seus filhos agressores e submissos?
Colocam limites usam de seu papel, ou confiam e acreditam em tudo o que seus
filhos contam?
E o
próprio jovem: Como usam a sua própria autoridade pessoal para lidarem com os
impasses da vida? Como aprendem a resolver problemas? Que cursos participam
para aprender a lidar na prática com isto? Que tipo de psicoterapeuta têm?
Enxergar
que o adolescente de hoje nada tem a ver com o de ontem, já é um caminho.
Há
interesse real em mudar este código de conduta?
Duvido
que aja. Há alguns anos me ofereci para fazer um trabalho de graça junto a
escolas públicas de meu bairro. A ideia era trabalhar o mercado de trabalho,
porém sob o pano de fundo das relações éticas (aqueles que são boas para
todos). Qual não foi a minha surpresa ao ouvir de diretoras e coordenadoras de
ensino da rede estadual e municipal a mesma frase: Não temos tempo!
Elas
desprezaram minha experiência e boa vontade. Muito menos refletiram: Ela deve
cobrar caro quando faz um trabalho destes para uma entidade particular, já que
trabalha com ação e não com palestras inócuas. Vou aproveitar...
O
tempo, ou a falta dele é apenas uma desculpa para dizer: Não queremos mexer neste
vespeiro!
Enquanto
escolas, pais e adolescentes não quiserem “mexer neste vespeiro” assistiremos
passivos vídeos de meninas brigando e achando que aquilo só acontece em alguns
locais. Ledo engano!
Leia também: Pelo fim da maioridade penal: http://pavandesenvolvimento.com.br/textos.aspx?pagina=1&id=320
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