segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

CRACOLÂNDIA E MORADORES DE RUA


CRACOLÂNDIA E MORADORES DE RUA

Suely Pavan (*)

 
Há algumas verdades que independem de partidos políticos. Elas existem, e através deste texto conto esta experiência. Esteja aberto (a) para lê-la, aqui é um depoimento real e não uma conjectura partidária.

“Era o final da gestão Marta Suplicy (2001-2004) e ela solicitou mais um trabalho para o grupo de psicodramatistas no qual eu fazia parte coordenado por Marisa Greeb. O trabalho visava um diagnóstico sobre a situação dos moradores de rua na cidade de São Paulo. Marta queria saber quem gostaria de sair das ruas ou ficar morando nelas, já que morar nas ruas também é um direito. Anteriormente eu já havia participado de outros trabalhos. Logo no início de sua gestão ela quis saber o que os moradores de São Paulo acreditavam que tornaria mais feliz a cidade, e foi feito o Psicodrama em vários locais chamado “Psicodrama da Cidade” (1). Apesar do trabalho ter sido muito interessante e trazido uma visão real sobre os dramas da cidade de São Paulo, ele foi ridicularizado por partidos contrários os PT, e principalmente pelo Diogo Mainardi, que à época tinha uma coluna na Revista Veja. Apesar das diversas cartas que nós os psicodramatistas remetemos à Veja,ficamos sem um direito digno de resposta.
Após este trabalho seguiram-se outros e participei do trabalho com “Albergados e sua relação com os Albergues”, “Agente Vistores”, “Que país queremos”, “Perueiros no Centro Cultural de São Paulo”, e finalmente com o diagnóstico dos “Moradores de Rua”.
Meu trabalho com os moradores de rua ( alvo deste texto) se deu abaixo do Viaduto do Chá em São Paulo. O trabalho psicodramático que é prático e focado na ação, demonstrou que o grupo que eu dirigi tinha duas vertentes diferentes. Uma parte do grupo que morava abaixo do Viaduto era mais velho, alcoólatra, e queria sair da rua, mas tinha vergonha de voltar à sua família. Alguns tinham perdido a sua dignidade. Quando se pensa em morador de rua, a imagem que vêem à cabeça da maioria das pessoas é: alguém pobre e iletrado. Mas, esta imagem não corresponde à verdade. Tanto neste grupo como em outros que coordenei vi homens (a maioria) que tinham duas a três faculdades e que já havia tido cargos altos em grandes empresas multinacionais. Por tragédias pessoais entregaram-se à bebida, saíram de suas casas e foram morar nas ruas. Os mais pobres também tem uma história semelhante. A “pinga” segundo eles era o que os impedia de levar uma vida digamos “normal”. O grupo de pessoas mais velhas, e que se enquadra nesta descrição, queria sair das ruas, mas não sabia como.
O segundo grupo eram os jovens, bem jovens por sinal. Vi garotas muito bonita com cabelos com mechas recentes e bem feitas, e pele bonita. Este grupo ao contrário dos mais velhos optou por morar na rua, local segundo eles, em que poderia ter “liberdade” (palavra diversas vezes mencionada). Dormiam num colchão, mas este era o preço pela liberdade. Embora não tenhamos visto o consumo de drogas era evidente que os pais em suas casas colocavam limites, e eles não o aceitavam, portanto, queriam fazer o que queriam e optaram morar nas ruas. Os jovens não foram mais arredios e respondiam quase laconicamente quando perguntados. Cabe ressaltar que naquela época o consumo de crack não era tão exacerbado quanto o é hoje, ao menos naquela região.
O resultado deste trabalho foi remetido à Prefeitura de São Paulo, e após Marta Suplicy não foram feitos trabalhos deste naipe, nem por Serra e muito menos por Kassab. Isto é um fato, e não uma conjectura. Marta era preocupada com as questões sociais e queria dar voz à população carente de São Paulo. Infelizmente, ela não foi reeleita e os trabalhos sociais que fazíamos foram abruptamente interrompidos.

Este longo preâmbulo serve de base às questões atuais: Crack e Moradores de Rua. Nem todo o morador de rua é usuário de drogas, e nem todo o usuário não tem família e um lugar para morar. Jogar tudo no mesmo balaio é burrice. Porém, ninguém foi à Cracolândia para fazer um diagnóstico da situação. Quando a prefeitura e o atual governo querem fazer uma faxina na cidade, se esquecem do mais importante: Não é lixo que estão jogando para debaixo do tapete, são pessoas. É fácil varrer a cidade, obrigação, aliás, da Prefeitura.  Os zumbis vítimas do crack e que estão em toda a cidade, não apenas na dita Cracolândia precisam de tratamento humano, com começo, meio e fim. O que é isto?
1)   Tratamento contra a sua dependência que dependendo do caso não se resolve apenas com medidas referentes à redução de danos. O crack diferentemente de outras drogas nem sempre dá à pessoas a opção de tratar-se. Portanto, é necessário analisar caso a caso. É necessário internação, não é?  Uma ação como a que está sendo feita agora em São Paulo, é perigosa. De nada adianta apenas a polícia cumprir o seu papel na caça a traficantes, mas onde está a Saúde Pública.
2)   Dependente precisam ser encaminhados a tratamentos  e não pulverizados pela cidade. A Prefeitura de São Paulo está tratando um câncer provocando metástases. O resultado você já sabe qual é: Câncer espalhado e não tratado dá em morte.
3)   Os centros de tratamento deveriam ser móveis e também instalados dentro da própria Cracolândia.
4)   Após o tratamento o dependente precisa ser encaminhado para uma nova vida. O “coaching” pode ser um excelente instrumento para reintegração social. A mentoria idem.
5)   De nada adianta tratar e depois jogar novamente na rua. Mais albergues precisam ser criados.
6)   Opções infelizes como a busca pelo crack por parte da juventude necessitam ser tratadas e prevenidas nas escolas.  
7)   O morador de rua que quiser sair das ruas e não for crakeiro também deve ser tratado e encaminhado como tal.
A Prefeitura atual está fazendo um desserviço à população. Este efeito é imediato. Faze sofrer na esperança que o usuário busque espontaneamente um tratamento é tratar gente como lixo, desconhecer o que é uma crise de abstinência desta droga especificamente e como resultado haverão tragédias e mais tragédias. O usuário de crack quando abstinente torna-se muito agressivo.
Enquanto pequenos traficantes são procurados em São Paulo, outros agem livre e organizadamente pelas biqueiras da cidade. O crack pode não estar disponível mais na Cracolândia, mas é facilmente encontrado em qualquer outro lugar.
Portanto, esta ação adotada pela Prefeitura e Governo de São Paulo é apenas ilusória e para enganar a população. Os próprios policiais sabem que isto não funciona. Crack é um problema de saúde e não de polícia.

(*) Este texto poderá divulgado em outras mídias deste que se mantenha a autoria.
(1)http://www.psicodramadacidade.com.br/homePDC.htm




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