segunda-feira, 4 de agosto de 2014

GATA VELHA AINDA MIA



GATA VELHA AINDA MIA

Suely Pavan Zanella
Há filmes que assistimos em função da ampla divulgação, e na maioria dos casos não passam de grandes decepções: Excesso de efeitos especiais e total falta de conteúdo. Há outros, porém, que mal ouvimos falar, ficam pouquíssimo tempo em cartaz, e vez por outra nem seque chegam a ter um DVD ou Blu-Ray . Morrem literalmente na praia.

Neste final de semana tive a oportunidade de assistir, via canal Now da Net, ao filme “Gata Velha Ainda Mia”, com as espetaculares Regina Duarte e Bárbara Paz. Não irei contar detalhes do filme, mas diria que ele é obrigatório para todos aqueles que querem entender um pouco do universo feminino ferido. Tema que abordo em minhas palestras sobre este universo tão especial e significativo.

O filme tem várias peculiaridades enquanto filme em si. Por exemplo, foi feito apenas com três atrizes e num mesmo local: O apartamento da feminista Glória Polk (Regina Duarte) cheio de quinquilharias (ela me mataria se lesse esta frase!). Glória é uma mulher de 62 anos que já foi uma grande escritora e hoje é decadente.

O filme é um suspense, daqueles dos bons, coisa rara no cinema brasileiro, que normalmente traz os mesmos temas: favela, bandidos, pobreza e sexo. Esse não, é impecável em função de um estilo que adoro: O suspense!

A atuação das duas principais atrizes é coisa de louco. E em alguns momentos chega a ser assustadora (de tão boa que é!). Um ator chega a este patamar somente quando se entrega ao personagem, e passa a ser ele em suas entranhas, coisa rara também em termos de atuação. O filme foi dirigido pelo ator, dramaturgo e escritor Rafael Primot. Um jovem de 31 anos que além de ter dirigido pela primeira vez o filme também é responsável pelo seu roteiro. Como estudiosa do universo feminino posso dizer que Rafael tem coerência e profundidade ao tocar nas feridas da alma de uma mulher decadente e que como muitas se tornam amargas e donas da verdade com o passar do tempo. O filme é um verdadeiro thriller psicológico de alta qualidade.  E infelizmente, tudo que li na mídia sobre este filme retrata muito pouco sobre ele, alguns veículos, por exemplo, enfatizaram mais o fato de Regina Duarte ter atuado sem maquiagem do que o conteúdo do filme.

O Universo Feminino ferido e louco retratado no filme é mais comum do que se imagina. Ele ocorre quando uma mulher com o passar dos anos vai acumulando mais fel (amargura) do que mel (amor). E por não dialogar com sua louca interna, como ensina o livro “E a louca tinha razão” de Linda Schierse Leonard, é possuída por ela. A louca no sentido dado pela autora do livro é uma potente força psicológica que quando ignorada pode levar a autodestruição. Tornando-se em muitos casos, como mostrado no filme, a Rainha de Gelo, aquela que é fria e tudo sabe. Mulheres assim têm uma enorme dificuldade de se relacionar, pois são chatas, falam demais e não querem nunca se atualizar e muito menos entender a opinião dos outros. Podem apoiar-se eternamente em sucessos do passado sejam eles intelectuais ou físicos. Quantas mulheres foram lindas e com enorme sucesso em seu passado e hoje não percebem a sua decadência? Basta você ler em qualquer site de fofocas e encontrará vários exemplos de mulheres assim, que se apegam com unhas e dentes ao passado. Óbvio que o intelectualismo bem retratado no filme também pode ter o mesmo destino.

Mulheres ao envelhecer deveriam tomar algumas precauções a principal delas seria deixar o passado em seu devido lugar e parar de juntar troféus de qualquer natureza. O que passou, passou.

O universo feminino ferido pode resultar em doenças físicas e principalmente psicológicas, como a própria loucura e também o desejo de vingar-se do novo, do bonito, e de tudo que a juventude representa.  Mulheres assim não são capazes de entender o novo, mesmo que prefiram conviver com os jovens, apenas lhe dão lições. Afinal, para elas, o passado era o melhor lugar, já que lá ficou o seu brilho. E por assim ser são juntadoras de coisas. E podem inclusive tornar-se acumuladoras, já que têm dificuldade de se apegar às pessoas, mas facilidade em concretizar relações emocionais com os objetos/coisas.

Elas também são afiadíssimas na crítica. Se mordessem a própria língua com certeza morreriam envenenadas com o seu próprio fel. Não sabem criticar sem destruir o outro, chegam a assustar com seus argumentos que lembram uma espada.

Óbvio que este fenômeno ocorre com os homens também, embora com características um tanto diferentes. Apenas os solitários convictos na idade adulta costumam apresentar estas mesmas características na velhice.

Isto se dá pelo fato destas pessoas irem com o passar do tempo se dessintonizando consigo mesmas. Afinal, é impossível ao mesmo tempo estar no presente (o que eu preciso/sinto agora) e no passado (apego constante). Há como característica a negação do presente, e também pouca aceitação. Envelhecer não é fácil, requer um ingrediente que só se tem na própria velhice: a sabedoria. E sabedoria nada tem a ver com o número de experiências, sucessos e metas alcançadas que se teve, mas sim com a forma que lidamos e transformamos estas experiências com o passar dos anos.

Os velhos mais sábios que conheci eram tranquilos, sabiam ouvir, não eram donos da verdade, e eu sentia gosto em ouvir seus conselhos advindos do coração e da experiência, e que jamais funcionavam como uma imposição. O sábio sabe que a escolha, apesar da advertência, convém a cada um. Ou como diz a Deusa do Universo Feminino: Vá, mas tome cuidado.

Há uma doçura intrínseca nos velhos e nas velhas sábias. Não enxergamos amargor. As injustiças pelo que eles passaram são vistas como injustiças apenas, e não como uma negação doentia do novo. “No meu tempo era melhor”, é uma expressão que denota falta de sabedoria e de contato com o presente. Já que todo o tempo contém em si coisas boas e ruins.

Recomendo que você assista ao filme, a bela interpretação da Regina Duarte como a feminista Glória lembra até o tom de voz e postura adotada por estas mulheres feridas.  

Por ser tratar de uma feminista no filme, lembrei-me imediatamente da grande Rose Marie Muraro, falecida recentemente. Ela ao contrário de Glória era amorosa, porém firme. E uma das últimas palestras que assisti em vídeo Rose dizia que odiava mulheres de bigode. Ou seja, não é preciso ser masculina, dura, ou amarga para reivindicar qualquer tipo de coisa. Robert A. Johnson o junguiano, autor de He, She e We dizia que mulheres que tem falas cortantes usam o poder masculino da espada (que corta) para conseguir o que querem das pessoas. Assim é Glória. E assim são muitas mulheres que não sabem envelhecer embora, na maioria dos casos, seus argumentos digam exatamente o contrário. Um dia na vida, por qualquer razão, elas se perderam e tornaram-se intragáveis ao convívio afetivo com qualquer pessoa no dia a dia.

PS: Preste atenção às posturas das duas atrizes na foto. Elas retratam bem tudo que escrevi aqui. Vejam que a postura de Glória (Regina Duarte) é quase uma afronta à da bela Carol (Bárbara Paz) que se encolhe. É assim que reagimos quando nos deparamos com mulheres amargas. ­­

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