terça-feira, 22 de abril de 2014

O Caso Bernardo: Indiferença e Omissão



O Caso Bernardo: Indiferença e Omissão




Suely Pavan Zanella
 
A indiferença parece ser o traço marcante daqueles que abraçaram, com braços frouxos, carreiras cuja principal missão é proteger. Nos deparamos com ela nos corredores dos hospitais e escolas públicas, e toda a vez que precisamos de ajuda daqueles que são pagos em seus cargos para nos ajudar. Pessoas que nos tratam como “mais um” em seus entediantes expedientes de trabalho, e não como seres humanos com seus dramas e dores particulares.
Há muitos anos eu escrevo sobre este tema – a indiferença humana- que é parceira de “unha e carne” da omissão. O tema tem passado batido, ou indiferente, e é até alvo de críticas quando o alvo são as indefesas crianças. Parece que ninguém ou quase ninguém se importa com elas. O tema fica um tempo pairando no ar, mas depois morre junto com as crianças vítimas da indiferença.
A indiferença e a omissão foram a mola propulsora no caso Bernardo. Todos sabiam o que acontecia com ele, mas nada puderam fazer. Ele mesmo chegou a procurar ajuda indo no dia 24 de janeiro de 2014 ao Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, reclamou que era ofendido diariamente por sua madrasta e que o pai não se importava com ele. Queria morar com outra família. A promotora do caso procurou a família indicada por Bernardo, mas esta reclinou em ficar com o menino, pois não queria se indispor com o pai do menino. Como todos sabem o pai de Bernardo é médico e uma figura importante na comunidade de Três Passos.
Diante do fato o Ministério Público em 31 de janeiro de 2014, com o objetivo de proteger o garoto, pede à Justiça que dê a guarda dele para a avó materna.
O Juiz Fernando Vieira Santos, da Infância e da Juventude, marca uma audiência com o pai de Bernardo.  Ele se recusa a passar a guarda para avó materna e promete uma reaproximação com o menino. O Juiz, então marca uma nova audiência para 13/05/2014 em que Bernardo e o pai devem comparecer juntos. O Juiz toma esta decisão baseado nos seguinte fato: Não havia violência física, apenas afetiva. Vide G1
Infelizmente no Brasil a negligência ou indiferença afetiva não é relevante. Uma criança precisa ser espancada e ter sinais de violência para que seus pais percam a guarda e isto também é relativo. Quem se esqueceu do caso dos dois irmãos que buscaram ajuda junto ao Conselho Tutelar e depois foram encontrados esquartejados em uma praça no interior de São Paulo? Eu mesma escrevi dentre vários outros, o texto “Crianças Abandonadas” sobre o caso. Repercussão: Nenhuma! Indiferença total. Parece mesmo que ninguém está preocupado com as crianças em nosso país e delegam aos pais biológicos a responsabilidade total sobre os bons e maus tratos junto a elas.
Enquanto a família biológica tiver mais poder do que a afetiva casos como o de Bernardo ocorrerão. Enquanto não nos sentirmos seguros em ver que denuncias feita por qualquer pessoa serão de fato investigadas pela polícia através de um aparato especial para tal fim casos assim sempre acontecerão. É uma ingenuidade achar que o caso Bernardo será o último se nada em relação à criança e às relações afetivas familiares mudarem. Quantos e quantos pais são indiferentes aos seus filhos, os desprezem e nada acontece?  
Bernardo era desprezado pelo seu pai havia tempos. A cidade acompanhava este desleixo e o que fazia?
A Promotora Dinamárcia Maciel disse: “Que horror, o Ministério Público não fez nada. Eu digo: 'Que horror que o senhor e a senhora que sabiam disso não procuraram a promotoria e nem o juiz da Infância. Cada um que não nos trouxe essas informações tem um pedaço de culpa no caixão do Bernardo em Santa Maria”
Concordo plenamente com ela. Houve neste caso, assim como em tantos outros, uma rede de indiferença e omissão. Mas, ao mesmo tempo me pergunto: Se alguém tivesse tido a coragem de denunciar esta indiferença psicológica o que teria acontecido?
Você já ligou para o disque 100? Ou pediu ajuda ao Conselho Tutelar quando percebeu uma criança vítima de indiferença paterna ou materna? Como já escrevi em dezenas de outros textos, eu já, e o resultado foi inócuo. Ninguém investiga nada. Qual o aparato investigativo que temos? Quanto psicólogos são acionados nestes casos? Que preparo eles têm?
São perguntas que continuam sem respostas. A falta delas gera pessoas indiferentes que não estão nem aí para o dor do outro, principalmente quando ele ou ela é uma criança que depende totalmente do afeto de seus pais. Muitas vezes eu escrevi twetes para a então Ministra da Secretaria dos Direitos Humanos Maria do Rosário e fiquei sem resposta a todos eles. Isto também é indiferença.
Já busquei orientação para estes casos junto a Juízes das Varas de família, e o que encontrei? Indiferença e falta total de respostas.
A indiferença tem formado uma rede forte e totalmente omissa. Este talvez seja o maior problema de todos: O fato de mesmo vendo não se importar. Ou até se importar e reclamar com uma amiga, mas nada fazer. Ou esperar que alguém morra para se posicionar, como estão aparecendo agora, após a morte do Bernardo, testemunhas e mais testemunhas que outrora se calaram.

O Juiz de Direito Orlando Faccini Neto hoje publicou um artigo intitulado “A indiferença e o caso de Três Passosfiquei muito feliz ao lê-lo. Finalmente alguém vê a indiferença como o foco do problema.

E termino este texto com a frase usada pelo Juiz Orlando no final de seu artigo: Ao saber da morte de sua mãe, Mersault, personagem d´O Estrageiro, de Camus, sentiu nada, e assim demonstrou inequivocamente a sua indiferença. Mas ainda chamou-a de mãe.

 

 

A foto e as datas mencionadas neste texto foram detectadas junto à revista Veja edição 2379- Ano 47.  

4 comentários:

Unknown disse...

Olá!
Meu nome é Gabriela Tinoco, sou estudante de direito no décimo período.
Adorei seu artigo!
Concordo plenamente com tudo que você disse.
Utilizei seu artigo como objeto de estudo e comentário na matéria eletiva que estou cursando, ECA.
De coração, espero que no futuro tenhamos melhores, bem melhores operadores do Direito do que hoje, porque nós temos um dever e não estão cumprindo como realmente deveria.
INDIFERENÇA, é exatamente a palavra que descreve o momento em que vivemos!
Abraços!

Unknown disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Unknown disse...

Olá!
Meu nome é Gabriela Tinoco, sou estudante de direito no décimo período.
Adorei seu artigo!
Concordo plenamente com tudo que você disse.
Utilizei seu artigo como objeto de estudo e comentário na matéria eletiva que estou cursando, ECA.
De coração, espero que no futuro tenhamos melhores, bem melhores operadores do Direito do que hoje, porque nós temos um dever e não estão cumprindo como realmente deveria.
INDIFERENÇA, é exatamente a palavra que descreve o momento em que vivemos!
Abraços!

Suely Pavan Zanella disse...

Olá Gabriela,
Agradeço ao teu comentário e posso dizer que tenho pesquisado muito sobre o assunto violência psicológica. O que tenho visto é que ela existe em termos legais, porém na prática não é considerada, e o caso do menino Bernardo é um ótimo exemplo.
Eu também espero, há no Brasil um monte de gente vítima deste tipo de violência invisível: crianças, mulheres, gays...E o que é feito de fato? Confesso não saber!
Grande abraço
Suely Pavan Zanella