domingo, 31 de janeiro de 2010

ILHADOS EM MACHU PICCHU

(*) Suely Pavan

Foram cinco dias de angústia, desinformação e um resgate atrapalhado em seu princípio. Mas graças a Deus, acabo de saber que meu filho foi resgatado, depois de ficar ilhado em Machu Picchu (mais exatamente em Águas Calientes). Ele acabou agora há pouco de sair do helicóptero do resgate.

Escrevo este texto como agradecimento a todos os que me ajudaram. Anônimos, conhecidos, que neste momento tal como eles lá em Machu Picchu foram um só: argentinos, brasileiros, chilenos.

E, claro, a todos os santos que orei nestes longos e intermináveis dias: Nossa Senhora Aparecida, pela proteção que deu ao meu filho e aos demais turistas; Santa Clara, que fez com que os dias de resgate fossem claros tornando possível o acesso aos helicópteros; Santa Bárbara, a grande guerreira que lutou contra os trovões e chuvas fortes lá do Peru; São Judas Tadeu, aquele que resolve o impossível; e claro Deus.

A minha agonia começou no dia 24/01, data em que meu filho deveria pegar o trem de Machu Picchu para Cusco. Neste dia ele me ligou dizendo que não sabia direito o que estava acontecendo, mas que parecia que havia tido um deslizamento. Devido às três horas de fuso horário e sendo um domingo resolvi ligar para a agência de turismo lá no Peru, no telefone de emergência. Afinal, sua diária no hotel havia vencido e ele estava literalmente na rua. A agência peruana me informou que não podia fazer nada, e neste dia conseguiram para ele num colchão no chão de um hotel, sem banheiro, sem local para carregar o celular e sem café da manhã. Acho que àquela altura do campeonato, lá no Peru, ninguém sabia direito o que estava acontecendo. No dia seguinte era feriado em São Paulo, e logo cedo ele me liga desesperado dizendo que o clima lá estava tenso: polícia na rua, comerciantes e hotéis fechando com medo de deslizamentos em Águas Calientes. Começo a ficar apavorada aqui em São Paulo. Na mídia pouca relevância se dá ao fato. Resolvo agitar: escrevo para diversos jornais e grandes emissoras de TV; embaixada do Brasil em Lima; e e-mails de amigos. Afinal, um turista brasileiro estava lá à mercê de chuvas e da desorganização peruana. As respostas do Peru vinham lentas, e demoravam horas para chegar, mesmo quando feitas através da agência contratada por meu filho aqui em São Paulo. Descobri, depois que esta característica digamos demorada em termos de ações é quase um “modus operandi” no Peru. Tanto que o resgate de meu filho demorou cinco dias para ser realizado. O primeiro resgate se deu somente no dia 26.

No dia 26 à noite recebo um telefonema de Rodrigo, um diplomata da Embaixada Brasileira em Lima. Ele me tranqüilizou, tal era o meu desespero, e me garantiu que todos seriam resgatados e que não corriam risco de vida. O único meio televisivo que entrou em contato comigo foi a Rede Globo, através da Sandra Annenberg. Ela sensibilizou-se com o meu caso, que espelhava o de muitos brasileiros, e fez apelo emocionado no Jornal Hoje, com uma resposta do Itamaraty. Agradeço a ela de todo o meu coração, pois além de jornalista, ela escreveu para mim nos demais dias perguntando como estava o meu filho.

Aliás, senti muita falta da mídia acompanhando de perto a situação por lá. Apenas a rede Globo mantinha um jornalista em Cusco. De tanto acompanhar notícias internacionais e vindas diretamente do Peru, descobri que a maioria das que eu via ou lia por aqui tinham um atraso de pelo menos um dia, e eram todas semelhantes. Nestas minhas andanças pela net, captando notícias de cinco em cinco minutos, descobri que os gaúchos exigiam posições governamentais para os ilhados em Machu Picchu, tal como os chilenos e argentinos. A combatividade nestas horas é de fundamental importância. Eu rezava, mas agia. Agia tanto que escrevi um e-mail diretamente para Martin Pérez, Ministro do Comércio e Turismo lá do Peru. E o e-mail foi respondido por sua secretaria prontamente. Comecei a me sentir um pouco mais segura.

Embora eu falasse com meu filho todos os dias através de telefonemas a cobrar feitos de um orelhão lá em Águas Calientes e soubesse que ele estava bem, queria que ele saísse de lá, pois sei que a região em função das chuvas é perigosa. Tive também um apoio inesperado de um xamã que conhece bem a região, que me explicava pacientemente os riscos reais da região e, além disto, tinha contatos por lá, me passando em tempo real o que estava acontecendo. Muitos dos perigos que eu imaginava foi Ciro, o xamã, quem desmistificou. Obrigada Ciro, pela tua enorme paciência e preciosas orientações.

No dia 27, quarta-feira, as coisas começaram a melhorar em Águas Calientes, com a presença do vice-cônsul do Brasil no Peru, João Gilberto, que garantiu a todos que só sairia de lá depois que o último brasileiro tivesse sido resgatado. A presença dele mudou toda a atmosfera; afinal de contas, não é para dar segurança que as autoridade servem?

Além disto, deu comida (três refeições) e 20 soles (moeda local) para cada um. Meu filho também, a partir deste dia, ficou abrigado num hostel, finalmente saindo da escola onde estava e podendo tomar banho quente. À partir deste dia Águas Calientes se tornou um lugar divertido, um paraíso adolescente. Brasileiros, chilenos e argentinos conviviam amigavelmente, jogavam futebol, vôlei, tomavam cerveja e foram também os responsáveis pela organização das filas para pegar os helicópteros. Todos sabem que, no primeiro dia do resgate de helicóptero (dia 26), foram americanos e europeus que pagaram para ser primeiramente resgatados. Não havia critério nenhum, era uma bagunça total. Depois não, as leis internacionais de resgate foram seguidas: crianças, idosos, mulheres e pessoas doentes.

No dia 28, o próprio Martin Perez esteve por lá, deu uma “chamada” nos comerciantes que haviam aumentado o preço de água, refrigerantes e hospedagem, assim como pediu a colaboração de todos no sentido de denunciar aqueles que solicitavam pagamento para o resgate. De novo a autoridade fez cumprir o seu verdadeiro papel. Aliás, o evento dos “resgates pagos” incomodou muito o ministro. Afinal de contas, o Peru é um país que vive do turismo; que imagem futuros turistas teriam do país?

Bons líderes, aliás, são sempre presentes. Parabéns Martin Peres.

Nos dias 28 e 29 (hoje) os resgates foram um sucesso e acredito que, quando terminar de escrever este longo texto, todos os turistas já terão sido resgatados.

Tenho que agradecer também ao Itamaraty, ao Ministério do Comércio e Turismo do Peru, à Yary e ao Eduardo da CiaEco, empresa pela qual meu filho viajou aqui pelo Brasil, que foram super solícitos. E também a um blog genial, da Mariana Riscala, que nos manteve informados em tempo real sobre o que acontecia de fato em Machu Picchu, através das informações que seu parceiro no blog, o Filipe Cury, passava diretamente de lá. Confesso que senti falta deste tipo de jornalismo tão informativo e útil como o que encontrei no blog deles, chamado “De Malas Prontas”.

Como você deve ter percebido, se chegou até aqui na leitura, este texto é um diário de bordo, mas também e principalmente de agradecimento. E claro, ao meu marido, pela paciência de Jó que teve comigo nestes dias. Graças a Deus tudo correu bem. Meu filho já está no hotel em Cusco.

Gostaria, porém, de terminar fazendo um pedido às grandes empresas brasileiras que tenham como ajudar o Peru na reconstrução de diversas cidades que foram acometidas pelas chuvas. Sem dúvida o Peru é um belo país, mas precisa de recursos, de infra-estrutura para sustentar o seu próprio turismo. Não tem cabimento um lugar maravilhoso como Machu Picchu ter como meio de locomoção apenas um trem, que agora tem seus trilhos destruídos. Além deste incidente, milhares de famílias perderam suas casas. Famílias muito pobres. Nós da América Latina, a meu ver, deveríamos nos ajudar mais. A convivência de meu filho em Machu Pichu com diferentes turistas latino-americanos mostrou que isto é possível, além de pacífico, desde que tenhamos como objetivo único e nobre apenas querer nos ajudar.

OBS: Ele continua ilhado em Lima, aguardando a “boa vontade” da LAN AIRLINES, para embarcá-lo para o Brasil. Tinha certeza de que os ilhados em Machu Picchu teriam alguma prioridade no embarque, mas não é isto que está acontecendo até a presente data (31/01/2010).

(*) Este texto poderá ser utilizado em outros veículos desde que se mantenha a autoria e a forma de contato: www.pavandesenvolvimento.com.br

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