Suely Pavan(*)
Ela, uma mocinha insossa e com cara de “deprê”, sai da cidade ensolarada na qual mora com a recém-casada e alegre mãe. Por sua própria escolha, já que imaginava que iria atrapalhar a nova vida da mãe e do padrasto, a mocinha vai morar com o pai. Ele, o pai, é depressivo, um ex-policial que sente-se culpado pela morte do parceiro. A chuva se faz presente nesta cidade. Lá, a mocinha interessa-se de cara por um “cara” que, apesar de lindo, é magricelo e tem uma cor estranha. O rapaz vive com uma turma tão estranha quanto ele. Todos são brancos como cera e parecem ter sido tirados de uma foto antiga de dândis. Com o tempo ela descobre que ele e a turma, que na realidade são sua família, são vampiros. Mas vampiros diferentes, politicamente corretos. Adotaram uma espécie de regime natureba, eles não bebem sangue humano. Crucifixos, alho e a luz do Sol não incomodam esta aristocrática família. Além de tudo, são dotados de poderes especiais (ou serão efeitos especiais?); eles voam. O mocinho, para defender a mocinha, vai contra os vampiros “do mal” (será que existem bons vampiros?). E ela definitivamente se apaixona por ele.
Filmes e livros sobre vampiros existem há muito tempo. E sempre mexeram com o imaginário popular. Em todos eles (principalmente nos filmes) o vampiro sempre aparece como um ser sedutor, bonito e manipulador. Inexoravelmente o vampiro do cinema está interessado em apenas uma coisa: chupar o teu sangue, a tua vida. É assim que ele se alimenta, e desta forma também te transforma num vampiro. O que é um vampiro? É alguém que terá como castigo a eternidade!
Claro que existem as vampiras, e pela pesquisa que fiz elas surgiram antes do que eles, o que já era esperado. Mulheres vampiras são as vamps. Elas são bonitas, sexies, mas só querem o teu sangue!
O vampiro pressupõe manipulação, sempre.
As histórias de vampiros sempre existiram e em diferentes civilizações, mas só se tornaram públicas e famosas depois que Abraham "Bram" Stoke escreveu "Drácula" em 1897. De certa forma foi ele quem popularizou os vampiros.
Há vampiros e vampiras famosas no cinema e televisão, e cada um de nós parece ter os seus vampiros preferidos. O meu apareceu no filme “A Hora do Espanto”. O vampiro maravilhoso era o Chris Sarandon, e a cena inebriante era dele quase que hipnotizando a mocinha numa danceteria e dançando com ela de forma pra lá de sensual. Confesso que ele me tirou o sono. E é assim que os vampiros nos pegam: quando achamos que nossa vida poderia ser mais emocionante, menos maçante, e aparece um cara ou uma mulher muito sedutora. O vampiro nos tira da rotina, e nos mostra um mundo de pura emoção e paixão. Só que tudo não passa de um engano, pois o preço que ele nos cobra é a nossa própria vida.
Lembre-se que os vampiros só entram em nossa casa quando lhes abrimos as portas, ou seja, quando nós mesmos lhes damos brechas!
Coitados daqueles que se deixam levar por eles e por seus manipuladores elogios. Sim, os vampiros são espertos; eles nos pegam em nossos piores momentos e nos colocam “pra cima” com suas doces palavras.
Talvez, na história dos filmes de vampiro, a que melhor represente este lado sombrio e sempre perigoso do vampiro seja a do filme "Drácula de Bram Stoker", dirigido pelo Coppola. O filme mostra claramente o que acontece quando nos deixamos levar pelo lado negro da Força, ou pelo lado sombrio de nossa personalidade. E a guerra que é travada internamente para encontrar a luz, ou o amor.
O vampiro no sentido psicológico representa o pior de nós mesmos, o nosso lado manipulativo, invejoso e até assassino. E, óbvio, o pior no outro também. Porém, só se deixa cair nas garras de um vampiro quem abre as portas para ele. A inveja é um sentimento, como outro qualquer. Porém, o ser invejoso sempre quer a destruição do outro. Por não poder obter o que o outro tem, ele tenta diversas formas de destruí-lo, seja com comentários maldosos, ou com falsos elogios, e minando casamentos e amizades. Hoje, infelizmente, muitos pseudoteóricos dão um sentido positivo para a inveja, como se fosse possível polarizá-la, usando expressões como inveja positiva ou inveja branca. Isto não passa de uma grande bobagem, e uma confusão conceitual com a palavra admiração. Quando admiramos alguém queremos confessadamente ser como aquela pessoa, mas nunca buscamos destruí-la. Salieri, no filme "Amadeus", confessa que a inveja que sentia do talento de Mozart foi a responsável por sua morte.
No sentido popular e figurado, o vampiro é aquele que nos rouba a energia. São os ladrões emocionais que nos rondam, mas novamente só fazem estragos em duas condições: se somos distraídos e nos deixamos levar por seus encantos, elogios, e fascínio aparente; ou se acreditamos ingenuamente que todas as pessoas são boas.
O mal existe, e talvez esta seja a pior face do livro e filme "Crepúsculo", cujo resumo feito sob a minha ótica você leu bem no começo deste texto. O filme mostra a fraqueza da mocinha; ela está louca para ser vampirizada. Se assumisse, por exemplo, a inveja que tem da felicidade da mãe, provavelmente não iria atrás do pai, e não conheceria o vampiro. O perigo do livro/filme se concentra em banalizar a idéia do vampiro. Não existem bons vampiros. Mesmo que eles sejam politicamente corretos, continuarão a ser vampiros. Diferentemente de todas as histórias de vampiro que hoje invadem a TV, "Crepúsculo" traz um novo ingrediente: a mocinha parece ser mais vampira do que o próprio vampiro. Ela é que precisa do brilho dele. Ela é que se deixa enganar por ele, e o pior, parece não haver ninguém que a defenda, como nas demais histórias que todos já vimos de vampiros. Ela acredita piamente no vampiro e nega totalmente a sua essência. Ele é um vampiro travestido de bom moço. Igualzinho àqueles que estamos cansados de ver todos os dias. Não parecem ser maus, mas são. O filme em si traz um desserviço: ele banaliza o mal.
Numa geração de crianças e adolescentes superprotegidos e indefesos, e com medo de tudo e de todos, banalizar o mal pode ser uma atitude arriscada, pois não ensina o sentido da defesa e autoproteção (como fizeram, aliás, a maioria dos filmes sobre o tema). "Crepúsculo" deixa a mocinha entregue à sua própria sorte. Nem a mãe alegre é capaz de dizer à ela: "Filha, vamos embora este cara é um vampiro, e ele me dá arrepios!"
No filme, tal como o significado da palavra crepúsculo, a luz e a sombra se misturam.
(*) Este texto poderá ser utilizado em outros veículos desde que se mantenha a autoria, a integralidade do mesmo e a forma de contato: www.pavandesenvolvimento.com.br
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